O Brasil se encontra radicalmente dividido entre duas
grandes formas antagônicas de pensar o país. De um lado, pseudo-conservadores
que pretendem restaurar aqui um passado que nunca tivemos. De outro,
pseudo-revolucionários projetam nosso futuro para amanhã de manhã. De
preferência, bem cedinho. Nada disso foi possível em nenhuma nação do mundo, de
qualquer hemisfério.
O caso do óleo nas praias do Nordeste nos coloca diante
dessa polarização das duas alienações da realidade. Já se falou muito, de um
lado, de inimigos externos que teriam provocado o desastre. Do outro,
condena-se as autoridades incapazes de tomar providências. As duas reações são
apenas culpabilizadoras e irresponsáveis quanto às consequências do acidente.
Repetidas pelos alto-falantes da mídia e das redes sociais, elas eludem o mais
importante.
No dia 4 de setembro, chegaram as primeiras manchas de óleo,
trazidas pelas ondas ao litoral de Pernambuco. Elas não causaram estrago
paulatino, e sim uma destruição imediata de todo o litoral nordestino e do que
ele representa para aquela população. Não só o envenenamento do que se tira do
mar e das areias, o alimento regular e diário, além do turismo que despenca.
Mas também o significado natural e simbólico daquelas praias para a população
local. As praias do Nordeste não são apenas um orgulho do Nordeste; elas são
uma reserva de energia para os sonhos dos nordestinos. A população local as usa
com proveito físico, e ainda como símbolo poderoso de seu valor.
Poucos dias depois de chegar a Pernambuco, o óleo já se
espalhava do Maranhão à Bahia. Mas o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles,
não estava nem aí. Literalmente. Ele tinha ido para os Estados Unidos e Europa,
parece que para explicar o fogo na floresta. Quando o ministro voltou, fez duas
rápidas “vistorias” nas praias, de poucos minutos cada uma. E foi para a
televisão contar ao país o que estava acontecendo, como se estivesse de fato a
par de tudo. Na televisão, o ministro tentou, como faz sempre esse governo,
ideologizar a questão, apesar de o desastre ser ambiental, no campo dele.
Primeiro, botou a culpa num navio de ONG internacional, como
se ela estivesse praticando terrorismo contra o Brasil. Remontou um vídeo para
fazer prova, e foi prontamente desmoralizado pelos acusados que mostraram, em
sua rede social, o vídeo original. O ministro insinuou também que, como o óleo
era comprovadamente de origem venezuelana, era à Venezuela que devíamos, no
mínimo, protestar. Só faltou declarar guerra ao país lá do norte, tão distante
de nós e de nossas praias. Fiquei imaginando que, se em vez de óleo, as praias
do nordeste se enchessem, por um absurdo qualquer, de bananas, deveríamos
imediatamente declarar guerra aos macacos de todo o mundo.
Eu também não gosto do Maduro, mas nem por isso ia sair por
aí acusando o país dele. Sobretudo depois de nossa própria Marinha de Guerra
ter descoberto cientificamente que haviam passado 30 navios, de dez diferentes
nações, pela região do mar em que deve ter começado o vazamento. O ministro
ainda parece ter esquecido que o Plano de Contingência para essas situações
tinha sido abandonado pelo presidente, quando este decidiu eliminar o comitê
que o montou. Vários Conselhos Federais, como aquele, foram desmontados para
“evitar o aparelhamento do serviço público”.
Há 58 dias, o óleo torna as praias do Nordeste inviáveis e
infectas, capazes de aborrecer a população e provocar doenças. O ministro do
Meio Ambiente e grande parte do governo federal nada fizeram em benefício das
praias e das vítimas, a não ser insinuar lorotas, fofocas de conspirações
inventadas para distrair nossa atenção do que é de fato importante. A direita mais
significativa do século passado, o nazismo, usava essa “descoberta” de inimigos
externos, como pretexto para unir a população ingênua em torno de sua
autocracia.
Segundo o vice-presidente Hamilton Mourão, a 10ª Brigada de
Infantaria, sediada em Pernambuco, participará dessa dramática tentativa de
limpar as praias sujas de óleo. Em 12 de setembro, logo no começo do desastre,
a Petrobras já interferira, por sua própria conta, recolhendo, segundo a
empresa, 280 toneladas de óleo. O Exército e a Marinha, que são sempre
convocados nesses momentos críticos, já recolheram, junto com o Ibama, mais de
mil toneladas da sujeira. Pescadores, jangadeiros e outros colaboradores
anônimos de cada local são voluntários emocionantes e emocionados, nessa luta
para recuperar a beleza, a grandeza, o sossego e os sonhos daquelas magníficas
praias.
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