quarta-feira, 30 de outubro de 2019

BOLSONARO E A ARTE DE NÃO FAZER AMIGOS

Guilherme Amado, ÉPOCA
Dezembro costuma ser um mês chuvoso em Brasília, o primeiro em que a seca de fato começa a ficar para trás e respirar volta a ser uma tarefa agradável. Mas naqueles primeiros dias de dezembro de 2018 o ar do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), o QG em que se montava o futuro governo Bolsonaro, era mais do que prazeroso para Alexandre Frota. “Todos estavam excitados quando eu cheguei”, lembrou Frota numa conversa recente. O recém-eleito deputado, na época o nome forte do bolsonarismo na área cultural, subiu acompanhado de um grupo que esperava, nos próximos dias, ser anunciado para ministérios e secretarias. Fardados, olavistas, evangélicos, empresários, políticos de diferentes matizes da direita, todos ainda inebriados com a vitória do dia 28. Mas nem tudo era festa. Hoje um dos principais adversários de Bolsonaro, que abraçou como sua missão número um tirar o capitão do Planalto, Frota contou que foi naquele dia, seu primeiro no CCBB, que percebeu um traço até então desconhecido para ele do novo presidente. “O Jair é o Jair e os filhos. O resto é o resto. Comecei a perceber isso naquele dia, quando descobri que Bebianno, o cara que deu o sangue pelo Jair, não tinha nem sala no gabinete de transição. O governo nem tinha começado e o homem que tinha viabilizado a eleição de Bolsonaro já estava sendo deixado para trás.”
Nos últimos dias, conversei com alguns dos personagens centrais que foram ejetados do bolsonarismo nesses quase dez meses de governo. Fiz a todos as mesmas perguntas: por que rompeu com Bolsonaro? O que causou sua saída ou seu afastamento? Por que o presidente é tão desagregador? As respostas seguem quase todas o mesmo roteiro e apontam para um presidente excessivamente influenciado pelos filhos, notadamente Carlos e Eduardo, e que leva nas veias não o DNA do diálogo ou da conciliação, que deveriam ser inerentes a qualquer líder, mas sim os genes da paranoia e da discórdia.
Desde a posse, Bolsonaro afastou, seja pela caneta, seja pela palavra, figuras importantes para sua eleição. Além de Bebianno e Frota, estão na lista o general Carlos Alberto dos Santos Cruz; os governadores João Doria, de São Paulo, e Wilson Witzel, do Rio de Janeiro; o presidente de seu partido, Luciano Bivar; e cerca da metade dos 53 deputados e senadores do PSL, que, instados a escolher entre o poder do Planalto e o poder da máquina partidária, deram uma banana para o presidente.
A conta inclui ainda o vice, Hamilton Mourão, que nos primeiros meses de governo enviou o que pareciam recados públicos para que Bolsonaro parasse de brigar e se concentrasse no governo. Entre os militares, aliás, os que não se converteram em militantes cegos optaram pelo silêncio — ao menos em público. Privadamente, admitem o constrangimento que o extremismo de Bolsonaro lhes impõe.
“Somos um instituto independente. Não temos idolatria cega a uma figura política. O eleitor do Bolsonaro está confuso. A pauta econômica está correta, mas não dá para entender as decisões na área de combate à corrupção nem a incapacidade na articulação política”, analisou.
O Twitter de Carluxo também afastou um tanto de gente. Foram aqueles poucos caracteres que explodiram muitos dos aliados do pai. “Desde o divórcio de Rogéria, mãe de Flávio, Carlos e Eduardo, o Jair tenta compensar a mágoa que aquilo causou ao Carlos. Ele sempre fez tudo que o Carlos pediu. Mas isso impacta seu governo. Ele simplesmente não sabe dizer ‘não’ ao Carlos. E, mesmo quando o pai diz, o Carlos ignora e começa a fritar seus alvos nas redes sociais. O primeiro foi o Bebianno”, explicou um amigo de anos de Bolsonaro, sob a condição de anonimato.
Bebianno percebe com clareza hoje que o antigo amigo teve dois momentos. No começo de 2018 e durante a campanha, lembrou o ex-presidente do PSL, havia problemas concretos que podiam tirar Bolsonaro do páreo. Segundo ele, naquela época os filhos se mantinham distantes. “Especialmente o Carlos, que nunca fez absolutamente nada.” O Bolsonaro dali era cordato. “Jair mantinha uma postura mais humilde e conciliadora perante seus aliados, pois sabia que, naquele momento, não poderia prescindir de nenhum deles.” Passado o 28 de novembro, o ex-braço direito viu surgir outra pessoa.
“Depois de eleito, os dois filhos mais novos, Carlos e Eduardo, passaram a agir de forma arrogante, prepotente e pouco inteligente, pressionando o pai a não ouvir ninguém, salvo eles próprios”, analisou Bebianno.
O ex-ministro disse ver o presidente manipulado: “Fazem isso por meio de teorias de conspiração absurdas e constantes”. Mas as teorias da conspiração são a maneira de Bolsonaro encarar o mundo. A facada, Bebianno acredita, foi uma chancela. “Piorou a paranoia.”
A exemplo de Joice Hasselmann, Bebianno também aponta a milícia virtual que seria comandada por Carlos e Eduardo como um elemento desagregador. “Os dois filhos mais novos não têm educação, limites ou respeito por ninguém. Tratam a todos os aliados como se fossem capachos submissos. Quando seu ego é contrariado, atuam de forma covarde, insuflando milícias virtuais a promover linchamentos nas redes”, disparou Bebianno, sem poupar Bolsonaro: “O pecado do pai é não dar um basta. É seguir dando ouvidos a esses dois, o que está destruindo seu próprio governo”.
Os governadores dos dois maiores estados, que colaram em Bolsonaro para se eleger na onda do antipetismo, foram alijados quando o presidente viu neles futuros adversários na briga por 2022. Witzel passou a ser tratado com frieza, e duas mensagens enviadas por ele ao WhatsApp de Flávio Bolsonaro ficaram sem resposta. Doria passou a ser criticado publicamente por Bolsonaro e Eduardo. “( O conflito ) parece ser a natureza, a alma dele ( Bolsonaro ). Eu não entro nisso”, analisou um Doria cuja administração, a exemplo de todas as demais, precisa dos cofres federais. A propósito, o governador de São Paulo vem exercitando a conciliação e a lealdade. Acusado de virar as costas para Geraldo Alckmin em 2018, agora está decidido a seguir a todo custo com o projeto de reeleição de Bruno Covas. Traição na política tem custo alto.
Com Eduardo Barretto e Naomi Matsui
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