O presidente Jair Bolsonaro tem uma relação complicada com a
verdade, especialmente com as verdades que não estejam de acordo com seus
caprichos ideológicos. Posto isso, os otimistas podem regozijar-se com o fato
de que, desta vez, ele não contestou as medições
oficiais do Inpe que
revelaram um aumento de 29,5% no desmatamento na Amazônia.
É um avanço notável, se considerarmos que, em julho, quando
o instituto soltou os primeiros dados que apontavam para a tendência de alta,
Bolsonaro não só disse que os números eram incorretos como também afirmou que o
então diretor da instituição, o engenheiro
Ricardo Galvão, estava “a serviço de alguma ONG” e mandou
demiti-lo.
Agora, o presidente preferiu dizer que o desmatamento é
cultural no Brasil e por isso ele não acabará. Até acho que dá para classificar
a propensão a derrubar matas e tacar fogo nelas como cultural, mas me parece
precipitado declará-la imutável. Um dos aspectos mais fascinantes da cultura
humana é que ela constitui uma via muito mais rápida do que a seleção natural
para promover mudanças no comportamento e, por vezes, na própria biologia. O
caso paradigmático é o da tolerância à lactose entre adultos, comum só em
descendentes de povos que adotaram estilos de vida pastoris.
Voltando ao comportamento, a escravidão já fez parte de um
grande número de culturas humanas, mas não tivemos de esperar o surgimento de
uma mutação antiescravocrata para eliminar essa chaga. Fizemo-lo através de
ferramentas culturais, mais especificamente uma combinação de reflexão moral
com ações políticas e legais. Pode não ser tão rápido quanto desejaríamos. A
Mauritânia só proibiu a escravidão em 1981. Mas funciona. Mudanças culturais
transformaram os terríveis vikings nos civilizados escandinavos.
É justamente porque o desmatamento tem uma dimensão cultural
que Bolsonaro comete um desatino ao não agir contra ele.
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando
Bem…".
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