segunda-feira, 18 de novembro de 2019

NOS BRAÇOS DOS RADICAIS

Carlos José Marques, ISTOÉ
A polarização assume ares de guerra de rua. Ressurgiu afinal a cara da oposição ao governo e, por mais surpreendente que possa parecer, isso é bom para o irascível Bolsonaro e sua tática de manter o País em constante conflito. Ele sabe disso. No fundo gostou da notícia. Tanto que não mexeu uma palha, não se pronunciou contra, fez ares de paisagem, apesar do incômodo e da revolta que o evento “Lula solto” criou inclusive entre seus apoiadores. Bolsonaro, na prática, também não vai se indispor com a tropa do Supremo que tem sido tão receptiva a seus interesses. Mancomunados, eles compartilham de táticas conjuntas para frear as investigações da Lava Jato. Está mais do que claro e demonstrado o objetivo, não apenas pelas últimas decisões da Corte como também pelas intervenções do Planalto em órgãos técnicos.
Menos de onze meses depois de assumir sob a bandeira do combate implacável à corrupção, o capitão de convicções claudicantes logo se postou do outro lado do muro. Também pudera! O mesmo mito que se dizia veementemente contra o mecanismo da reeleição, e que prometia cumprir um único mandato para depois cair fora, em poucos meses de mandato já estava falando em reeleição. Nem bem esquentou a cadeira, se encantou pelo poder, pelos rapapés e vantagens do cargo. É típico. O arquirrival Lula seguiu roteiro semelhante e deu no que deu. Criou a sua teia de influência, aparelhou o Estado e acabou no Mensalão. Bolsonaro vai a sua maneira aparelhando a estrutura do poder com os seus cupinchas. Aqueles que o contrariam, que falam a favor da democracia e de práticas republicanas, por exemplo, são postos para fora aos pontapés. Mesmo os que cumprem estritamente seu trabalho, caso dos presidentes de instituições como o Inpe, Coaf e IBGE, foram banidos, despachados apenas por informar números e dados verdadeiros que contrariavam o intento ideológico do capitão.
É a isso que o País parece condenado nessa polarização extremada de ideias. Dois vértices de um mesmo jogo que muito se parecem estão no tabuleiro dando as cartas. Bolsonaro, no poder, vai também fazer o diabo — como já disse Lula no passado — para se manter, talvez até se perpetuar, lá. Esquematiza estratagemas via difamação de adversários, cria rede ilegal de produção de desinformações dentro do próprio Planalto e sai ameaçando empresários que não embarcam no seu projeto de dominação da Nação. Agora lançou até o próprio partido, o “Aliança pelo Brasil”, que lembra, na essência, sem nenhuma vontade de disfarçar, a antiga Aliança Renovadora Nacional (Arena), com seus pendores reacionários, montada para dar sustentação à ditadura militar. Personalista, populista e integrada por familiares e mais chegados do capitão, a legenda não esconde a vertente autoritária, defendendo a ditadura e mesmo a torturadores – general Brilhante Ustra à frente. Bolsonaro queria um partido para chamar de seu e fazer com ele as vontades, tal qual Lula, que reconfigurou o PT à sua imagem e semelhança. Vivemos tempos sombrios, com ânimos exaltados e com duas figuras que seguem destruindo a índole naturalmente pacífica do povo. No cabo de forças do atraso o risco de saídas antidemocráticas para tolher a ideologia adversária aumenta. Interessa aos dois, ao projeto de poder de cada um e aos respectivos exércitos que os acompanham, a escalada retórica da existência do inimigo a ser abatido. Um como espantalho do outro. Não dá liga nesse ambiente o amálgama da boa convivência. Nas trincheiras, seguidores se alvoroçam. Movem-se ao bate-boca. Em certos casos, às vias de fato. Atiçar, tripudiar, desqualificar quem pensa diferente virou patologia em ascensão. O sobranceiro atrevimento com o qual Lula e Bolsonaro se lançaram a campo, de posse da habitual verborragia – na base de um “patife” aqui, um safado acolá- no esforço de angariar simpatizantes, antecipando indevidamente a campanha eleitoral, só demonstra o absoluto descompromisso de ambos com as soluções do País, mais preocupados que estão em se aboletar indefinidamente e aos seus apaniguados no poder. Os dois pensam a mesma coisa. Sonham com o mesmo objetivo. Se locupletam. Se retroalimentam. Verso e reverso da mesma moeda. E o Brasil que fique relegado ao radicalismo extremo e perverso. Quando os pobres cidadãos vão poder sonhar com a luz no fim do túnel? Enxergar soluções para seus problemas mais terrenos, tratados como prioridade por seus governantes? A rinha incessante do bolsonarismo versus o lulismo tende a acentuar nossas angústias. Os dois, quase ao mesmo tempo, se lançaram a agendas populistas, numa espécie de road show pelo Nordeste, para ver quem domina parte maior daquela que consideram uma estratégica massa de manobra. Não se iluda: nenhum dos dois está ali preocupado em responder às angústias que afligem os mais necessitados. Ao contrário. Não contribui em nada, é verdade, a sacralização que ambos obtiveram junto a seus apoiadores mais fiéis e ferrenhos. Se apresentam e se vendem como salvadores da pátria e são assim dignificados. Tratados como ídolos pelos adoradores.
De um lado, o “mito” Messias, que veio para varrer do mapa as práticas imorais, os desvios endêmicos, a politicagem de paróquia, restabelecendo os valores morais da família e da dignidade. Fez isso? O golden shower, o laranjal dos filhos e o combate à operação Lava Jato que o digam. Do outro, aquele que era, nas suas palavras, tão inocente como Jesus, alguém que acreditava piamente ter se convertido numa ideia, o próprio Deus do Povo. Que falem por ele as suas seguidas condenações de formação de quadrilha, propina em série, processos de toda ordem, numa folha corrida extensa. Nas mãos e no balanço de manipulações retóricas de Messias e do demiurgo de Garanhuns parece estar lançado o destino do Brasil. E há de se perguntar: o povo vai despertar dessa perene hipnose e encontrar a trilha do equilíbrio por outras vias, nada radicais, abolindo o extremismo, em prol de seu próprio bem? A resposta virá com o tempo. Na toada atual, com protestos dia sim, outro também, e líderes propensos ao confronto rasteiro, fica difícil enxergar o fim do caminho.
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