E o mesmo discurso autoritário...
O presidente Jair Bolsonaro, que se apressou a desautorizar seu filho Eduardo quando ele acenou, no final do mês passado, com a edição de um novo Ato Institucional nº5, deveria sentir-se obrigado a proceder da mesma maneira depois do que disse ontem, em Washington, o ministro Paulo Guedes, da Economia.
O presidente Jair Bolsonaro, que se apressou a desautorizar seu filho Eduardo quando ele acenou, no final do mês passado, com a edição de um novo Ato Institucional nº5, deveria sentir-se obrigado a proceder da mesma maneira depois do que disse ontem, em Washington, o ministro Paulo Guedes, da Economia.
O AI-5 foi o mais brutal ato de força da ditadura militar de
64. Adotado em dezembro de 1968, ele fechou o Congresso, cassou mandatos de
parlamentares e de ministros do Supremo Tribunal Federal, permitiu prisões sem
autorização judicial e estimulou a tortura e o assassinato de adversários do
regime.
Em entrevista coletiva, à saída de reunião do Fórum de Altos
Executivos Brasil-Estados Unidos, Guedes admitiu que o governo desacelerou o
envio de propostas de reformas ao Congresso com receio de que se repita por
aqui as manifestações de ruas que ocorrem no Chile e na Colômbia. E que
ocorreram na Argentina.
Perguntado se a preocupação era gerada por algum medo de
Lula, o ministro ocupou-se em criticar o ex-presidente e o que ele tem dito
desde que foi solto. Em mais de uma ocasião, Lula convocou os jovens a ocuparem
as ruas para “lutar contra a destruição do país”. E afirmou que “um pouco de
radicalismo faz bem à alma”.
Guedes retrucou:
– Chamar povo para rua é de uma irresponsabilidade… Chamar o
povo pra rua pra dizer que tem o poder, para tomar. Tomar como? Aí o filho do
presidente fala em AI-5, aí todo mundo assusta, fala ‘o que que é?’ (…) É isso
o jogo? É isso o que a gente quer? Eu acho uma insanidade chamar o povo pra rua
pra fazer bagunça.
Segundo o ministro, “assim que ele (Lula) chamou para a
confusão, veio logo o outro lado e disse ‘é, saia para a rua, vamos botar um
excludente de ilicitude, vamos botar o AI-5, vamos fazer isso, vamos fazer
aquilo. Que coisa boa, né? Que clima bom”. Mas não ficou só nisso. Foi além.
Sugeriu que o projeto de lei que prevê o excludente de
ilicitude para militares e agentes de segurança pública em operações de
Garantia da Lei e da Ordem é uma resposta ao discurso de Lula:
– Aparentemente digo que não (Bolsonaro não está com medo do
Lula). Ele só pediu o excludente de ilicitude. Não está com medo nenhum, coloca
um excludente de ilicitude. Vam’bora.
O projeto de lei enviado ao Congresso beneficia militares e
agentes de segurança pública para que possam agir sem ter que responder
criminalmente pelo resultado do que fizerem. Dito de outra maneira: no extremo,
o projeto dá licença para matar ou reprimir com o emprego desmedido de
violência.
Depois de mais de 1h30 de entrevista, voltou e procurar os
repórteres e pediu para que não publicassem o que ele dissera. Era tarde.
Agências de notícias e emissoras de televisão transmitiram a entrevista em
tempo real. Então ele voltou a falar, na tentativa de suavizar suas
declarações:
– Este é o recado para quem está ao vivo no Brasil inteiro.
Sejam responsáveis, pratiquem a democracia. Ou democracia é só quando o seu
lado ganha? Quando o outro lado ganha, com dez meses você já chama todo mundo
pra quebrar a rua? Não se assustem então se alguém pedir o AI5. Já não
aconteceu uma vez? Ou foi diferente?
Seria concebível, em qualquer circunstância, adotar uma
medida como o AI-5? – perguntou uma repórter. Resposta de Guedes, simulando a
voz empostada de certos locutores:
– É inconcebível, a democracia brasileira jamais admitiria,
mesmo que a esquerda pegue as armas, invada tudo, quebre e derrube à força o
Palácio do Planalto, jamais apoiaria o AI-5, isso é inconcebível. Não aceitaria
jamais isso. Está satisfeita?
A repórter perguntou então se ele usava de ironia na sua
resposta. Com a simulação do mesmo tom de voz, ele respondeu:
– Isso é uma ironia, ministro? O senhor está nos ironizando?
De forma alguma.
Que Bolsonaro tenha faltado às aulas sobre como funciona uma
democracia, compreende-se. Mas Guedes, não. O ministro não pode revelar-se um
ignorante na matéria. Nem mesmo por ter sido professor de economia na
Universidade Nacional do Chile durante alguns anos da ditadura do general
Augusto Pinochet.
Numa democracia, manifestações de rua contra o governo são
permitidas. Se elas descambarem para a violência, a polícia é chamada para
reprimir. O Brasil assiste a manifestações de rua, espontâneas ou encomendadas,
desde junho de 2013, pelo menos. E quase todas foram pacíficas.
No ano passado, quando o deputado federal Eduardo Bolsonaro
(PSL-SP) disse que para fechar o Supremo Tribunal Federal bastariam um cabo e
um soldado, Lula estava preso. Ainda estava preso quando Eduardo, assustado com
o que acontecia no Chile, ameaçou com um novo AI-5.
Quantas vezes, de alguns anos para cá e mesmo depois de
empossado na presidência da República, o pai de Eduardo elogiou a ditadura de
64, a tortura e a morte de desafetos do regime? Por isso, dentro e fora do
governo, é acusado de trabalhar contra as reformas econômicas de autoria de
Guedes.
Desta vez, é o próprio Guedes que sabota seus propósitos. E
ao fazê-lo, revela-se tão autoritário quanto o seu chefe. Mais parecido com ele
do que seria supor imaginar.
Governo faz o jogo de Lula
O PT agradece
A desastrada entrevista concedida em Washington pelo ministro Paulo Guedes, da Economia, foi o sinal de que o governo piscou primeiro diante das provocações feitas por Lula desde que ele deixou a prisão há quase 20 dias.
A desastrada entrevista concedida em Washington pelo ministro Paulo Guedes, da Economia, foi o sinal de que o governo piscou primeiro diante das provocações feitas por Lula desde que ele deixou a prisão há quase 20 dias.
O presidente Jair Bolsonaro fora aconselhado pelos ministros
que o cercam a não passar recibo das críticas de Lula. O líder do PT saiu da
prisão ressentido e disposto a reassumir o protagonismo que sempre teve na
política. E para isso teria de elevar o tom da voz.
Lula tem pouco a perder agindo assim. Mas o governo, ao
polarizar com ele, teria a perder pelo menos no curto prazo. Sem uma base de
apoio expressiva dentro do Congresso, agora sem sequer um partido para chamar
de seu, provocar marolas seria muito ruim.
Certamente Bolsonaro não contava com o que Guedes pudesse
dizer. Pior: pode cair na tentação de repetir seu ministro ou ir além. É tudo o
que Lula deseja. A palavra de ordem dentro do PT é polarizar com o governo e
crescer em cima dos seus erros.
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