Um olhar sobre a trajetória da economia brasileira nas
últimas quatro décadas, quando o ritmo de crescimento caiu para um patamar bem
inferior ao registrado nas décadas anteriores, mostra que, muito provavelmente,
o país ainda não acabou de desmontar o modelo de desenvolvimento que faliu em
1982. Naquele ano, por causa da elevação da taxa de juros nos Estados Unidos a
inacreditáveis 20% ao ano, países em desenvolvimento, como o Brasil, que se
endividaram na década de 1970 simplesmente quebraram.
Em vez de reconhecer o fato de que, dali em diante, o modelo
de Estado-empresário e de substituição de importações não teria mais como ser
mantido por causa da enorme e abrupta restrição fiscal e creditícia surgida em
1982, os governantes optaram, nos anos seguintes, principalmente durante o
governo Sarney (1985-1990), por insistir na salvação do que não tinha mais como
dar certo.
A extensão do modelo de forte intervenção do Estado na
economia e de fechamento comercial criou dificuldades que visivelmente até hoje
impedem o país de voltar a crescer de acordo com seu potencial histórico. A
insistência, ademais, permitiu que os setores da sociedade beneficiados por
aquele regime econômico – a burocracia estatal e a indústria – se organizassem
e reagissem a mudanças. A fatura do atraso – a escalada permanente dos preços a
níveis crônicos e depois hiperinflacionários – foi paga por todos, mas
especialmente pelos pobres, de quem o chamado “imposto inflacionário” mais
retira renda.
Crises econômicas costumam ser semeadas durante períodos de
bonança, quando cidadãos e empresas perdem a noção do risco ao acreditar que o
ciclo econômico em que estão jamais acabará. A explosão do preço do petróleo no
início da década de 1970 elevou a níveis impensáveis a liquidez mundial. A
derrama de “petrodólares” derrubou fortemente as taxas de juros cobradas pelos
bancos internacionais. Ato contínuo, essas instituições ofereceram crédito a um
custo muito baixo a países como o Brasil, que, sendo estruturalmente uma
economia importadora de capitais, foi à banca buscar esses recursos.
O país terminara a década de 1960 com dívida externa em
torno de US$ 6 bilhões. Dez anos depois, graças ao funding dos “petrodólares”,
essa dívida saltou para algo próximo de US$ 100 bilhões. O Brasil precisava
desse dinheiro? Não se tenha dúvida. Foi isso que permitiu promover um
ambicioso investimento em infraestrutura, absolutamente necessário para uma
economia que, naquele momento, crescia acima de 10% ao ano, o ritmo mais veloz
do planeta.
Com o dinheiro da dívida externa, o país criou um sistema
elétrico integrado nacionalmente, expandiu fortemente a capacidade geradora de
energia, implantou um sistema de telefonia federal razoavelmente moderno,
construiu rodovias federais cortando praticamente todo o território, inspiradas
no modelo americano, ampliou aeroportos, ferrovias etc. A crença de que a
dívida seria honrada se baseava na percepção, correta, de que, como a economia
avançava num ritmo veloz, não faltariam receitas para pagar os débitos.
O problema é que as taxas de juros, embora baixas, eram
flutuantes. Como a segunda crise do petróleo, em 1979, provocou nova escalada
nos preços dos combustíveis, a inflação americana assanhou-se, chegando a
atingir mais de 20% A reação do Federal Reserve (Fed) foi a que se espera de um
banco central independente: elevar a taxa de juros para conter a demanda e,
consequentemente, os preços. A pancada no custo do dinheiro bateu nos juros
flutuantes das dívidas dos países do chamado Terceiro Mundo e então a
quebradeira foi generalizada.
Na reunião anual do Fundo Monetário Internacional (FMI), o
“pobre México, tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos” – na célebre
frase de um de seus ex-presidentes, Porfirio Díaz – foi o primeiro a se
declarar incapaz de honrar os vencimentos das dívidas contraídas na década
anterior. Na sequência, outras economias fizeram o mesmo, generalizando o
calote e iniciando um período terrível de nossa história econômica, marcado
pela falta de acesso a poupança externa para financiar nosso desenvolvimento.
Os calotes se sucederam, o país foi obrigado a promover
maxidesvalorizações de sua moeda frente ao dólar para elevar a competitividade
das exportações e, assim, gerar saldos positivos na balança comercial,
suficientes para pagar os vencimentos da dívida externa. Numa decisão drástica,
o Banco Central centralizou o câmbio – basicamente, passou a definir a quem
pagaria a dívida lá fora, uma vez que não havia divisas para pagar a todos.
As consequências vieram em forma de mais inflação, arrocho
salarial, imprevisibilidade dos principais indicadores econômicos, enfim, uma
situação que apenas os brasileiros com mais de 40 anos hoje viveram na pele. E,
a partir dali, sem acesso a poupança externa e com inflação fora de controle, a
taxa média de crescimento caiu a níveis nunca vistos nas três décadas anteriores.
Olhemos os números: da primeira década do século XX até a
década de 1970, o Brasil cresceu a uma taxa média anual de 4,6%; de 1971 a
1980, esse ritmo saltou para 8,8%; na década de 1980, a taxa média de expansão
recuou para 3%; na década de 1990, caiu para 1,8%; nos primeiros dez anos deste
século, aumentou para 3,4% ao ano; na última década, a década perdida do novo
século, o crescimento anual médio da economia brasileira foi de apenas 1,4%, a
menor das 12 décadas desde 1900.
“Muita gente continua falando da recessão que acabou, mas
alguns ignoram que estamos ainda numa depressão e, mais ainda, que estamos numa
estagnação que acaba de completar quatro décadas”, diz o economista Roberto
Macedo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. “Essa
grave estagnação não vem sendo pautada pela mídia e tampouco está na pauta dos
políticos. Meu objetivo é fazer com que cresça a percepção dessa tragédia, com
a esperança de que venham ações para saná-la. É humilhante o fato de que a
década passada foi a de pior desempenho do PIB desde 1901.”
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