quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

GESTO DE PAZ

Merval Pereira, O GLOBO
Como num jogo de gato e rato, o presidente Bolsonaro e o ministro Sérgio Moro vivem se indispondo. No momento, um confronto que chegou ao ponto da ruptura dias atrás, transmutou-se em silencioso duelo, onde cada palavra tem sentido mais amplo, sempre mirando a eleição de 2022 para a presidência da República.
Acredito que Moro não entrou para o ministério com a intenção de tornar-se político e concorrer a um cargo público, muito menos à presidência. Mas, para sobreviver dentro do governo, e enfrentando reações adversas no Congresso, teve que aprender.
A popularidade que tem desde os primórdios da operação Lava-Jato se iniciou em consequência de um trabalho de combate à corrupção que veio ao encontro do anseio da sociedade. Para manter sua capacidade de atuação, usou a popularidade como um escudo contra as críticas e ataques políticos, e o apoio da população como propulsor de sua atuação.
O auge da crise que o envolveu foi a divulgação pelo Intercept, e outros jornais e revistas, de conversas privadas entre ele e o coordenador dos procuradores de Curitiba, que pretendia manchar sua imagem de homem probo, como é visto pela população.
Embora muitos juristas críticos e oposicionistas, até mesmo gente que tinha uma boa imagem de Moro, detectassem na relação entre as partes transgressões jurídicas que poderiam ter prejudicado os réus, essa percepção esteve longe de ser unânime, pelo contrário.
Muitos outros juristas e políticos não viram nada de ilegal nos diálogos entre Moro e os procuradores. Além do mais, não houve nada nas conversas que revelasse uma manobra para condenar inocentes, ou provas plantadas contra este ou aquele réu.
Não houve inocentes condenados, como lembra Moro com insistência. A confiança em Moro continuou inalterada, sendo o ministro com maior índice de popularidade entre todos do governo, inclusive o próprio presidente da República.
Além de a maioria dos cidadãos não ter encontrado nada de ilegal na atuação de Moro, há uma razão cultural mais profunda. Como constatou uma pesquisa do Instituto da Democracia divulgada pelo jornal Valor Econômico, 69,9% dos brasileiros acham que “condenar políticos corruptos é mais importante que preservar o direito de defesa do acusado”.
Pode ser um sentimento desvirtuado, provocado pela ânsia da maioria da população de ver um combate efetivo contra a corrupção e o crime organizado, que apavora o cidadão comum. Ou então a percepção de que, como diz o ministro do STF Luis Roberto Barroso, há leis que são feitas para não funcionar, existem apenas para manter a situação como está, protegendo os poderosos.
Moro transformou-se em símbolo desse combate, assim como o ministro aposentado Joaquim Barbosa por sua atuação na época do mensalão do PT. Não é à toa que até hoje, anos depois que se aposentou prematuramente do Supremo, Barbosa ainda é procurado por partidos políticos para disputar a presidência da República.
Essa popularidade, e os resultados obtidos no combate à criminalidade, uma continuidade da Lava-Jato na visão popular, criaram a possibilidade de Moro ser candidato à presidência da República.
A crise recente, provocada pelo anúncio de Bolsonaro de que estava sendo estudada a divisão do ministério de Moro, que perderia a parte de Segurança Pública, foi contornada diante da repercussão negativa.
Bolsonaro, que pode ser tudo, menos um político ingênuo, sabia que o simples anúncio de esvaziar o ministério fragilizaria Moro. Foi mais uma tentativa frustrada, que teve que ser abortada.
Moro dizer que não se candidatará de jeito nenhum, muito menos contra o presidente, não dissolve a desconfiança de Bolsonaro. Nem que gravasse na testa “Bolsonaro 2022”. A paranóia dos Bolsonaro é cultivada com dedicação. Mas pela primeira vez admitir que ir para o Supremo Tribunal Federal seria “uma perspectiva interessante” é uma saída boa para todo mundo.
Ao ser convidado, esse era o objetivo final de Moro, depois de dois anos de governo em que esperava consolidar os avanços da Operação Lava-Jato. Conseguiu muitos avanços, mas teve que aceitar derrotas.
A essa altura, ser indicado para o STF na próxima vaga do ministro Celso de Mello, que entra na expulsória em novembro, o deixaria mais contido no Judiciário, e ficaria mais difícil uma aventura política.
Não é garantia de nada, mas expressar o desejo é um gesto de pacificação de Moro.
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