Levou
pouco mais de um ano, mas finalmente uma visão mais pragmática em relação à
Amazônia começa a ganhar espaço no governo.
Dependendo do edifício da Esplanada dos Ministérios ou do
gabinete do Palácio do Planalto em que se entra, a abordagem sobre a Amazônia é
diferente. Interesses e prioridades divergem, num jogo de poder comum na
capital federal. Nesta administração, as primeiras vítimas da área ambiental
foram as estatísticas sobre desmatamento e estudos sobre o aquecimento global.
Por vezes, o debate sobre os possíveis modelos de
desenvolvimento da região amazônica não se tornou público. Em outros casos,
ocorreram cenas explícitas de insegurança jurídica, como quando o governo
enviou sinais trocados sobre incentivos fiscais para a Zona Franca de Manaus.
Na semana passada, contudo, o presidente Jair Bolsonaro
anunciou sua decisão de alinhar as diretrizes e unificar o discurso. Criou o
Conselho da Amazônia, que será coordenado pelo vice-presidente Hamilton Mourão,
e a Força Nacional Ambiental.
O anúncio foi precedido de uma reformulação do Programa
Calha Norte, que visa o desenvolvimento sustentável da região e está sob
responsabilidade do Ministério da Defesa. Logo na sequência, o Ministério do
Meio Ambiente revelou ao Valor sua disposição de instalar uma secretaria ou
pelo menos um escritório em Manaus. Mas não demorou para que uma das razões da
preocupação do governo ficasse mais clara: também ao Valor o presidente do
Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou que o tema ambiental já afeta os
fluxos financeiros.
Em um cenário de restrição fiscal, é prudente encarar a realidade
e se adaptar a ela.
Com seu anúncio, o presidente Jair Bolsonaro fez um
movimento político divalente. Mandou um recado para dentro e outro para fora do
governo. Deixou evidente a importância que o novo colegiado terá no organograma
administrativo do governo, apesar do relacionamento atribulado mantido com seu
vice desde a campanha eleitoral. E ao mesmo tempo deu uma resposta aos mercados
sobre a prioridade que a agenda deve ganhar a partir do segundo ano do mandato.
Se bem sucedido, o plano ajudará a melhorar a desgastada
imagem do Brasil no exterior e garantirá maior velocidade à implementação de
medidas que coloquem a região amazônica na trilha de um desenvolvimento
econômico e social duradouro, mas também sustentável do ponto de vista
ambiental.
A escassez de notícias durante o recesso parlamentar ajudou
a reverberar o anúncio presidencial, que neste primeiro momento cumpriu seu
papel de reposicionar o governo brasileiro num debate que vem ganhando também
cada vez mais apelo eleitoral. A situação, contudo, pode mudar com o
esclarecimento de como o plano será executado.
O formato de funcionamento e a capacidade operacional do
Conselho da Amazônia ainda são incertos. Sabe-se que o colegiado regido por
Mourão coordenará políticas públicas atualmente sob a responsabilidade de
diversos ministérios, como Meio Ambiente, Defesa, Desenvolvimento Regional,
Infraestrutura, Agricultura e Justiça.
Também já estão à mesa alguns dos desafios prioritários e os
gargalos identificados pelas autoridades federais, muitos deles históricos e
com soluções que dependem de medidas transversais. O governo Bolsonaro quer,
por exemplo, aumentar a capacidade do Sistema Integrado de Monitoramento de
Fronteiras (Sisfron), dar celeridade às obras de infraestrutura que interliguem
a região ao restante do território nacional.
A autonomia de abastecimento de energia elétrica da Amazônia
também preocupa o presidentes e seus auxiliares. Defende-se, no governo, a
necessidade de aumento da capacidade local de geração própria de energia seja por
meio de hidrelétricas ou por energia solar, além da redução da participação das
usinas térmicas na matriz.
Integrantes do Executivo também querem promover a piscicultura na região amazônica, com a capacitação das comunidades locais pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e das Emater (empresas de Assistência Técnica e Extensão Rural).
Integrantes do Executivo também querem promover a piscicultura na região amazônica, com a capacitação das comunidades locais pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e das Emater (empresas de Assistência Técnica e Extensão Rural).
Apesar de esperar resistências do Congresso e de segmentos
da sociedade civil organizada, o governo não retirou de seu radar a
regulamentação da mineração em terras indígenas. Citando um exemplo, os
defensores da ideia argumentam que a exploração de potássio reduziria a
dependência brasileira de fertilizantes importados e poderia criar
oportunidades para produtores de uma mercadoria estratégica e de valor agregado
na própria Zona Franca de Manaus.
O papel da ZFM será certamente debatido pelo conselho. Apesar
de o vocábulo “subsídio” ter se tornado um palavrão no Ministério da Economia,
em outras alas do governo se pondera que o peso da Zona Franca no cálculo total
dos incentivos fiscais é pequeno e ela desempenha papel central na política de
ocupação, defesa e desenvolvimento da Amazônia.
Outras preocupações do governo são o combate ao narcotráfico
e à presença de facções criminosas na região. Uma outra prioridade deve ser o
desenvolvimento social e a oferta de melhores serviços públicos aos habitantes
de uma região que sempre foi alvo da cobiça internacional e tem em sua história
a Cabanagem. A revolta popular é vista como prova dos riscos que corre o poder
central ao virar as costas a esta parte do país.
Governantes dos Estados amazônicos já perceberam que a
floresta em pé lhes garante um tratamento diferenciado nos fóruns
internacionais e na interlocução com outros países. Alguns deles têm,
inclusive, projetos políticos nacionais que podem atravessar os interesses de
Bolsonaro já a curto prazo.
Outros pré-candidatos a presidente da República também já
modulam seus discursos para a região e sobre a região. O governo criou uma
oportunidade para sair da armadilha de tratar a agenda amazônica apenas como
parte de sua luta ideológica contra a esquerda.
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