Jair Bolsonaro sentiu o baque. Por semanas, o presidente
desprezou os alertas de autoridades internacionais sobre a gravidade do
coronavírus. Agora, ele busca uma correção de rumo forçada, com direito a
falsificação das avaliações técnicas desses mesmos personagens.
O presidente abandonou os diminutivos
"resfriadinho" e "gripezinha" em seu pronunciamento desta
terça (31). Depois de conduzir a crise com uma estratégia cruel e insensata,
Bolsonaro percebeu que a catástrofe na saúde pública poderia esfarelar a popularidade de
seu governo.
O homem que dizia apenas lamentar a morte de milhares de
brasileiros resolveu fingir alguma preocupação com a saúde da população.
Ensaiou um lance de empatia com os espectadores, afirmou já ter perdido entes
queridos e emendou: "Sei o quanto isso é doloroso".
Bolsonaro agora tenta recuar a um ponto de equilíbrio entre
sua obsessão pela preservação da economia e a intenção de salvar vidas --embora
não dê a menor pista de qual é esse ponto. O jogo de manipulação presente em
seu discurso, aliás, mostra que ele ainda prioriza o primeiro elemento desse
binômio.
Em seu malabarismo, o presidente deturpou na TV as
declarações do diretor-geral da OMS, Tedros Ghebreyesus.
Depois que o dirigente afirmou que os países deveriam levar em conta as
necessidades dos trabalhadores impactados pela crise, Bolsonaro inventou a
versão de que a entidade defende a retomada imediata da atividade econômica.
O presidente, porém, sonegou o trecho em que Tedros reforça
a importância do isolamento social e diz que os governos precisam proteger a
população mais vulnerável. Apesar do ajuste no tom, ele continua evitando um
encontro com a realidade.
Bolsonaro nunca respeitou a organização, já que seus
especialistas contradizem a estratégia inconsequente de lançar milhões de
pessoas às ruas no meio de uma pandemia. Contrariado, o presidente quer
asfixiar a verdade e torturar os fatos para que eles fiquem a seu favor.
Bruno Boghossian
Jornalista, foi repórter da
Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia
(EUA).
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