Poucos dias depois de o Parlamento
português ter legalizado a eutanásia, o Tribunal Constitucional da Alemanha
invalidou uma lei que vedava o suicídio
assistido por médicos, que agora ficam liberados para auxiliar pacientes a
dar cabo da própria vida.
Conservadores veem aí um sinal do fim dos tempos. De minha
parte, prefiro inscrever o fenômeno no movimento mais amplo, e absolutamente
desejável, de afirmação do conceito de indivíduo e ampliação de seus direitos,
que, no Ocidente, teve início no século 17 e se estende até hoje.
São várias as mudanças que se explicam por essa chave
interpretativa. Elas incluem a abolição da escravidão, a criação de normas que
asseguram a liberdade de expressão, o direito ao divórcio e ao aborto, o fim de
leis que discriminavam homossexuais e outras minorias, a legalização de drogas
recreativas e, mais recentemente, avanços normativos que consolidam a autonomia
de pacientes em relação aos cuidados de fim de vida.
No mérito, não vejo como discordar dessa tendência
liberalizante. Assim como não cabe ao Estado determinar o que duas ou mais
pessoas fazem consensualmente em matéria de sexo entre quatro paredes, não
pode o poder público obrigar uma pessoa a seguir vivendo contra a sua vontade nem
impedi-la de buscar socorro profissional para resolver as coisas em seus
termos.
O que o Estado pode legitimamente fazer é regulamentar a
matéria, para evitar que crimes reais sejam cometidos sob o pretexto da
beneficência e para sistematizar as formas pelas quais o paciente ou seus
representantes devem requisitar uma intervenção médica para pôr fim à vida.
Do mesmo modo que o divórcio não acabou com a família nem a
afirmação dos direitos de gays levou à extinção da espécie, soam infundados os
temores de que o suicídio assistido e a eutanásia produzirão uma distopia em
que comitês da morte decidirão pela eliminação de doentes pobres.
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando
Bem…".


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