A postura do governo federal de se contrapor à política de
isolamento social preconizada pela ciência e por autoridades sanitárias gera
justificada indignação, mas, às vezes, a indignação nos indispõe a entender a
motivação dos agentes.
O que o governo Bolsonaro quer, afinal?
Acredito que devemos olhar para o que os círculos
bolsonaristas e olavistas estão discutindo para encontrar a resposta. E a
resposta que se encontra ali é a do “vírus chinês”.
O vírus chinês é uma teoria da conspiração segundo a qual o
coronavírus seria relativamente inócuo, tão grave quanto uma gripe comum.
Apesar disso, o partido comunista chinês teria montado um circo e falsificado
dados de letalidade, com a intenção de gerar pânico, parar a economia global e
dar assim uma vantagem competitiva à economia chinesa, que, à despeito do
teatro, seguiria em plena atividade.
Há algumas variantes dessa teoria conspiratória: o vírus
teria sido desenvolvido em laboratório como arma biológica; agentes chineses
estariam se infiltrando em aglomerações urbanas para espalhar o vírus; empresas
chinesas estariam suspendendo o pagamento por produtos já adquiridos para ferir
as economias locais.
Frente a esse cenário, diz o argumento, o melhor que o
Brasil poderia fazer é não aderir ao pânico, adotar medidas preventivas
moderadas e explorar a vantagem competitiva que os chineses vislumbraram para
si.
Essa estratégia, no entanto, estaria enfrentando a oposição
de governadores ignorantes e corruptos que aderiram à histeria global e vão
afundar a economia e enterrar a oportunidade única de o Brasil dar um salto de
desenvolvimento enquanto o resto do mundo está com a economia paralisada.
Nada disso faz o menor sentido: pressupõe que apenas
Bolsonaro, e nenhuma potência global, conseguiu desvelar o complô chinês;
pressupõe que os modelos epidemiológicos com dados de contaminação na Europa e
nos Estados Unidos não têm validade. É tão absurdo que em circunstâncias
normais não mereceria nossa atenção.
Mesmo assim, é isso o que está sendo discutido nos canais de
YouTube e nos áudios de WhatsApp —e acredito que temos motivos para acreditar
que é isso o que move o presidente e o seu entorno.
Se esse é mesmo o raciocínio que move o presidente, devemos
esperar não apenas pressão pela adoção do isolamento vertical, contra toda a
evidência científica, como um atraso ainda maior na adoção de medidas
econômicas efetivas, com o intuito de pressionar empresas, comerciantes e
trabalhadores a regressarem ao trabalho.
Estamos fodidos.
*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas
públicas da USP, é doutor em filosofia.
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