O presidente Jair Bolsonaro contrariou recomendações de seu
próprio ministro da Saúde e participou no domingo de uma manifestação em
Brasília a seu favor e contra o Congresso. Bolsonaro, que teve contato com mais
de uma dezena de infectados pelo coronavírus, deveria ter se mantido em
isolamento, conforme orientação médica. Ao não fazê-lo, colocou em risco a
saúde de um número indeterminado de pessoas e a sua própria – que é, por razões
óbvias, uma questão de Estado. O presidente foi tão gritantemente irresponsável
que custa a crer que não soubesse o que fazia. E, se sabia, o fez de caso
pensado: para ele, a saúde dos brasileiros é irrelevante, bem com os impactos
econômicos e sociais tremendos da quarentena a que o País começa a ser
submetido para tentar frear o avanço da covid-19. A única coisa que interessa a
Jair Bolsonaro é seu projeto de poder, que está acima do Brasil e de todos os
brasileiros.
Até agora, o presidente da República não parece ter levado a
epidemia a sério. Não se sabe se compactua com alguns de seus seguidores, que,
nas manifestações do fim de semana, asseguraram que o coronavírus é uma
“mentira” destinada a esvaziar os protestos. Mas o fato é que Bolsonaro, mais
de uma vez, considerou que a reação mundial à covid-19 tem sido “histérica” –
como se os epidemiologistas de todo o mundo estivessem errados. Pior: nesta
segunda-feira, em meio às críticas por seu comportamento inconsequente,
Bolsonaro afirmou, com todas as letras e em sua gramática peculiar, que a
orientação para que ficasse em isolamento, feita pelos próprios médicos da
Presidência, conforme protocolos internacionais para casos como o dele, é nada
menos que um “golpe” movido por “interesses que não sejam republicanos”.
Os interessados nesse “golpe”, segundo Bolsonaro, seriam os
presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre. “Está em
jogo uma disputa política por parte desses caras”, disse o presidente à Rádio
Bandeirantes. Assim, Bolsonaro amplia seu confronto com o Congresso, depois de
pessoalmente ter convocado os brasileiros a ir às ruas protestar contra os
parlamentares, ignorando ao mesmo tempo o respeito devido ao Poder Legislativo
e as restrições a aglomerações por causa da covid-19. Nas fotos que fez com
seus simpatizantes durante a manifestação de domingo em Brasília, aparecem
vários cartazes que defendem o fechamento do Congresso e a prisão de líderes
políticos. É pouco provável que o presidente não os tivesse visto, e é menos
provável ainda que não soubesse que estava vinculando sua imagem a um movimento
golpista.
Assim, o presidente tenta transformar a pandemia de covid-19
numa arma política, ignorando a aflição de milhões de cidadãos que tiveram sua
rotina subitamente rompida e que, ao contrário do presidente, estão cumprindo
as orientações das autoridades sanitárias, mesmo diante de pesados prejuízos.
Enquanto Bolsonaro brinca com suas fantasias sediciosas,
alguns dos Ministérios que lidam com as áreas mais afetadas pela pandemia
mostram serviço. Ao contrário do presidente da República, o Ministério da Saúde
tem se desdobrado para fornecer informações de qualidade ao público e a
preparar o sistema para receber o fluxo de doentes, que deve se multiplicar nas
próximas horas. Já o Ministério da Economia, ainda que tenha demonstrado
hesitação num primeiro momento, tomou algumas boas medidas para o enfrentamento
dos efeitos imediatos da crise.
Além disso, o Congresso, conforme as palavras de seus
líderes, não pretende entrar no jogo de Bolsonaro. “Somos maduros o suficiente
para agir com o bom senso que o momento pede”, disse Rodrigo Maia.
Essa maturidade certamente continuará a ser colocada à prova
pelo presidente da República, que parece cada vez mais obstinado em criar
conflitos – como se estivesse em busca de um pretexto para aquele que talvez
seja seu verdadeiro objetivo: destruir as instituições da democracia
representativa e colocar em seu lugar o regime de democracia direta, tão caro
aos autocratas populistas dos quais Bolsonaro é, por ora, apenas um esforçado
aprendiz.
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