O impacto econômico do novo coronavírus reflete-se mais na
linguagem fotográfica que na das estatísticas. Duas imagens de satélite revelam
que a nuvem de poluentes sobre o nordeste e o leste da China desapareceu
durante o intervalo entre janeiro e fevereiro. Fotos mostram o Coliseu e a
Piazza Navona, em Roma, sem as habituais hordas de turistas, neste início de
março. Nouriel Roubini, “Dr. Desgraça”, o economista que ganhou celebridade ao
prever a crise financeira de 2008, volta à cena profetizando uma depressão
mundial.
A China conecta os polos das cadeias de produção globais,
Ásia de um lado, Europa e EUA de outro. A subtração de pontos percentuais do
crescimento chinês implica em forte desaceleração geral. Estimativas da OCDE
apontam a hipótese de redução pela metade do crescimento global.
O índice Dow Jones, da Bolsa de Nova York, desabou das
alturas dos 29 mil pontos, em 19 de fevereiro, para quase 25 mil, dez dias
depois. Acostumados com um mercado ascendente de quatro anos, os investidores
ainda imaginam uma efêmera curva em forma de V — e voltaram a comprar no início
de março, animados pela rápida reação do Fed, o banco central dos EUA. Vozes
mais pessimistas, porém, alertam para um ajuste longo, um poço cujo fundo
poderia situar-se nos 16 mil pontos do início de 2016.
Trump agarrou-se ao vírus para propagar a xenofobia, vetando
provisoriamente a entrada nos EUA de chineses. Depois, diante da balbúrdia nas
bolsas, girou o timão, entregando a condução da crise sanitária a especialistas
em saúde pública. No erro e no acerto circunstancial, sua bússola única é a
campanha da reeleição.
A Europa, já estagnada, está ainda mais exposta que os EUA.
“Suponha um declínio agudo na China”, sugeriu o economista Kenneth Rogoff em
meados de janeiro, quando as nuvens de poluentes ainda pairavam sobre o país.
“Isso seria catastrófico para a Europa, que depende muito das exportações para
a China. Haveria uma recessão global, colocando tremenda pressão nos
integrantes frágeis da Zona do Euro.”
Navegando um “novo normal” de taxas de juros reais
negativas, o Banco Central Europeu dispõe de escassa munição de política
monetária para frear a queda. A alternativa dos estímulos fiscais parece
inviável, pois a Zona do Euro carece de política fiscal comum e o consenso
ortodoxo alemão fecha esse atalho. A recessão que se desenha detonaria as
economias mais deficitárias, como a da Itália.
Há quem ironize as teorias conspiratórias assegurando que o
vírus nasceu num laboratório secreto do nacionalismo populista. No palco
político, uma reinstalação da crise do euro impulsionaria os partidos da
direita nacionalista, especialmente na Itália (a Liga, de Salvini) e na
Alemanha (a AfD).
O pânico difunde-se mais até que o próprio vírus. O
isolamento compulsório de metrópoles chinesas inteiras, as quarentenas de
navios de cruzeiro e resorts, o noticiário alarmista, a torrente de fake news
nas redes sociais produzem efeitos sociais de longo prazo. Os partidos
populistas de direita enxergam no vírus um pretexto ainda mais perfeito que o
dos imigrantes e renovam seu clamor pelo fechamento das fronteiras internas da
União Europeia. Roubini ecoa o grito dos populistas, pedindo a medida extrema
que produziria a depressão para a qual ele alerta.
A crise de 2008 brotou das engrenagens descontroladas dos mercados
financeiros. A depressão que se insinua no horizonte emergiria da difusão do
pavor num ambiente intoxicado pelos nacionalismos. A China é parceiro comercial
decisivo e fonte crucial de investimentos para as economias do mundo árabe, da
América do Sul e da África. Nessas periferias, o fantasma da turbulência social
espreita atrás dos gráficos da desaceleração do PIB.
Paulo Guedes oculta as insuficiências da política econômica
na coroa do vírus, mas seus críticos erram quando ignoram o cenário externo. A
fuga de capitais rumo à fortaleza do dólar anula os efeitos da queda dos juros
e sabota a reativação do investimento privado. Os populistas europeus celebram;
os nossos não têm nenhum motivo para festejar.
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