Quem quer que se sente na cadeira de diretor-geral da
Polícia Federal (PF) e de ministro da Justiça, em substituição,
respectivamente, a Maurício Valeixo e a Sérgio Moro, estará sob a suspeita de
ter sido nomeado para fazer desses órgãos de Estado uma extensão do gabinete de
Jair Bolsonaro – ou, pior
ainda, um cômodo da
casa do presidente da República.
Como Sérgio Moro informou, e o sr. Bolsonaro não desmentiu,
o presidente da República exigiu que a Polícia Federal tivesse na direção “uma
pessoa do contato pessoal dele, que ele pudesse ligar, que ele pudesse colher
informações, que ele pudesse colher relatórios de inteligência, seja diretor,
seja superintendente”.
É o que muito provavelmente vai ocorrer agora, independentemente
dos escolhidos. Nem seria necessário nomear amigos íntimos da família
Bolsonaro, como Jorge Oliveira, atual secretário-geral da Presidência e cotado
para o Ministério da Justiça, ou o delegado Alexandre Ramagem, que chefia a
Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e que era dado como certo para a
direção da PF. Como disse o próprio presidente, os novos titulares serão seus
amigos – estes ou quaisquer outros.
Questionado criticamente por uma seguidora no Facebook
acerca da informação segundo a qual a indicação de Ramagem teria sido feita
pelo vereador Carlos Bolsonaro, um dos filhos do presidente, Bolsonaro reagiu:
“E daí? Antes de conhecer meus filhos, eu conheci Ramagem (sic). Por isso deve
ser vetado? Devo escolher alguém amigo de quem?”.
Como presidente da República, Bolsonaro não deveria escolher
auxiliares por serem seus amigos, ou de seus filhos, mas porque são
qualificados para desempenhar bem seu trabalho. É assim que funciona numa
República, especialmente quando se trata do presidente. Neste caso, porém, a
amizade é decisiva: Bolsonaro quer nesses cargos-chave pessoas da sua mais
estrita confiança, beleguins que saibam que ali estão não por suas qualidades
profissionais, mas pela lealdade incondicional ao chefe.
É gravíssimo. Não se trata apenas de ter controle sobre
eventuais investigações acerca das atividades suspeitas de seus filhos, mas de
exercer influência sobre eventuais investigações a respeito das atividades de
adversários políticos do presidente. Numa democracia, uma Polícia Federal não
pode ser controlada dessa forma pelo governo, pois se transformaria em polícia
política.
O problema é que Bolsonaro parece inclinado a tratar
questões pessoais e familiares como se fossem problemas de Estado. Vista em
perspectiva, a escandalosa tentativa de nomeação do filho Eduardo Bolsonaro
para a Embaixada nos EUA, por exemplo, não é nada perto da suspeita de que o
presidente quer ter controle sobre o aparato policial federal, encarregado de
investigar corrupção e crime organizado.
É em razão da gravidade do caso que algumas forças políticas
e da sociedade civil já se mobilizam para pedir o impeachment do presidente.
Razões talvez não faltem, e não é improvável que Bolsonaro acrescente ainda
outras tantas a estas, pois vive de criar conflitos.
Mas o Brasil, não nos esqueçamos, vive os efeitos
devastadores da pandemia de covid-19. É nesse problema, e em nenhum outro, que
o País deve concentrar toda a sua energia neste momento. Enquanto Bolsonaro
cuida de seus interesses pessoais, os brasileiros têm de lidar com a escalada
de mortes e de desemprego causada pelo coronavírus.
Felizmente, há autoridades, como a maioria dos governadores
de Estado, que estão conscientes de seu papel nesta hora crítica. O presidente
da Câmara, Rodrigo Maia, a quem cabe dar seguimento a pedidos de impeachment,
demonstrou exemplar espírito público ao dizer que “todos esses processos
(impeachment e Comissões Parlamentares de Inquérito) precisam ser pensados com
muito cuidado”, que “devemos ter paciência e equilíbrio, e não açodamento” e, o
mais importante, que o coronavírus “deve ser nossa prioridade”.
Oxalá o exemplo desses líderes políticos responsáveis
frutifique. No momento, o único oportunista que deve ser combatido sem tréguas
é o coronavírus.
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