A crise do coronavírus mudou a agenda de vários ministérios,
mas não o da pasta da Economia. Infelizmente, ela não tem reagido à altura dos
acontecimentos. Ainda se apega ao projeto esboçado na campanha eleitoral, de
reformas estruturais e liberalização da economia. Ocorre que essa pauta de
longo prazo já foi atropelada pela realidade. Não se discute mais como a
economia deve ser transformada, mas como trabalhadores e empresas vão
sobreviver à emergência que já é classificada pelos organismos internacionais
como o maior desafio à economia mundial desde a Depressão de 1929. É o que os
países desenvolvidos e o resto do mundo estão fazendo.
Pegue-se o exemplo dos EUA. Em um prazo recorde, Executivo e
Congresso estão finalizando um acordo histórico para socorrer governos locais,
empresas e setores com a injeção de US$ 2 trilhões na economia — o equivalente
a quase 10% do PIB. A maior parte dos americanos receberá diretamente do
governo US$ 2,5 mil, mais US$ 500 por criança. Também haverá uma ajuda ampla a
hospitais. São medidas drásticas para manter a economia funcionando. Aqui, ao
contrário, o governo continua a reboque dos acontecimentos, agindo de forma
lenta e insuficiente. Uma prova de amadorismo aconteceu no domingo, 22, com a
edição de uma Medida Provisória que autorizava a suspensão dos contratos de
trabalho por quatro meses sem pagamento de salários. A iniciativa jogava os
funcionários no limbo, em meio a uma emergência sanitária. A reação foi
imediata. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, chamou-a de “capenga”. Para o
presidente do STF, Dias Toffoli, “colocar o povo dentro de casa, com medo e sem
remuneração, sem garantia, é falta de discernimento”. Com a enxurrada de
críticas, Jair Bolsonaro anunciou pelo Twitter que ela seria revogada. Guedes
disse que tinha ocorrido um “erro de redação”. Chamado a se explicar, o
secretário da Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, expandiu o arsenal retórico
do governo para lidar com os seus erros. Em vez de culpar a imprensa, uma praxe
presidencial, disse que tinha ocorrido uma “má interpretação” do texto.
Argumentou que uma nova MP seria editada. “Toda medida que envolve custo e
gasto depende de responsabilidade fiscal. A segunda MP demora um pouco mais do
que as outras, mas o presidente pediu pressa e a soltaremos o quanto antes”,
afirmou.
A MP alternativa ainda não tinha aparecido até quarta-feira,
25. A trapalhada em uma momento tão grave deixou mais uma vez claro o viés
oficial. As iniciativas anunciadas até agora são voltadas principalmente para
as empresas, e não para os funcionários ou o exército de trabalhadores
informais que surgiu desde a recessão iniciada em 2014. O governo age de
afogadilho sem conseguir dar uma resposta consistente. Na segunda-feira, 23,
anunciou um pacote de R$ 88,2 bilhões para socorrer Estados e municípios. Isso
inclui transferências para a saúde, recomposição de repasses de fundos
constitucionais e a suspensão do pagamento de dívidas com a União. Foi uma
reação à cobrança dos governadores. Com a lentidão do Ministério da Economia, o
STF também tomou a dianteira. Um dia antes, o ministro Alexandre de Moraes
havia suspendido o pagamento da dívida do Estado de São Paulo com a União,
medida válida por seis meses, por causa da pandemia. Três dias depois, concedeu
liminares semelhantes beneficiando o Maranhão e o Paraná. Antes disso, já havia
determinado o repasse de R$ 1,6 bilhão, valor recuperado pela Operação Lava
Jato, para combater a Covid-19.
Longe da turbulência, Paulo Guedes tem acompanhado a crise
de seu apartamento, no Rio de Janeiro. Em Brasília, a especulação é que estaria
demissionário. Sua relação com o presidente está abalada e há divergências
dentro da equipe econômica. O ministro negou a saída, mas o nome do presidente
da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, tem aparecido nos bastidores como
a alternativa preferida do presidente Jair Bolsonaro para dar uma face mais
social e popular ao comando da economia. Por enquanto, Guedes mantém seu
discurso. Por meio do empresário Abílio Diniz, mandou o recado de que elabora
um plano para “injetar R$ 600 bilhões” na economia — mesmo se for verdade, é
duvidoso que passará pelo crivo de Bolsonaro. Tem insistido que a quebra das
cadeias produtivas trará um grande prejuízo para o País e é partidário da mesma
tese defendida pelo presidente, de que apenas idosos e vulneráveis devem se
isolar. “Se todo mundo ficar em casa, o PIB colapsa”, já declarou. Deveria
ponderar que o mundo mudou desde o início do ano. Já parou, assim como o País,
como acontece nas guerras. É hora de uma nova estratégia.
Recessão em 2020
A recessão já é uma realidade. O próprio governo cortou sua
previsão de expansão do PIB de 2020, de 2,1% para 0,2%. Mas o Centro de
Macroeconomia Aplicada da FGV calcula que a retração será de 4,4%. Se confirmada,
será a maior queda desde 1962. Os danos na economia poderão se estender até
2023. Na melhor das hipóteses, os dados positivos voltam apenas no final do
próximo ano. Henrique Meirelles, secretário de Fazenda e Planejamento de São
Paulo que ocupava a presidência do BC durante a crise de 2008, acredita que o
PIB vai recuar 3%. No segundo trimestre, o tombo será de 10%. Estudo
encomendado pela Confereração Nacional de Serviços mostra que a retração nas
atividades econômicas pode levar a um prejuízo de R$ 320 bilhões à economia e
fazer com que 6,5 milhões de trabalhadores percam seus empregos. Diante de tal
quadro, empresários têm pedido medidas drásticas. O presidente da XP
investimentos, Guilherme Benchimol, defendeu um “Plano Marshall” para enfrentar
a crise, comparando o esforço atual com a reconstrução da Europa no pós-guerra.
Na ausência de iniciativas mais ambiciosas, parlamentares têm sugerido
alternativas. É o caso do senador Rogério Carvalho, que está propondo uma lei
para a concessão de um salário mínimo a todas as famílias inscritas no Cadastro
Único do Ministério da Cidadania, por seis meses. “É preciso botar dinheiro na
mão das pessoas, isso que é importante agora. Precisamos movimentar a
economia”, diz.
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