O presidente Bolsonaro está perdido em seu labirinto e isso
ele mostra explicitamente nos atos do dia a dia. A última semana foi um bom
exemplo. No domingo, ele foi às ruas estimular as pessoas a desobedecerem às
orientações das autoridades de saúde. Na terça-feira, o conselho de governo, em
longa reunião, conseguiu polir o pronunciamento que ele faria à noite.
Amanheceu na quarta disposto a derrubar a obra dos seus conselheiros e postou
vídeo falso que dizia haver desabastecimento na Ceasa de Minas. Na quinta, ele
falou em demitir o ministro da Saúde, cujo trabalho tem alta aprovação popular.
Várias vezes atacou governadores e, claro, culpou a imprensa. O presidente é um
elemento perturbador no meio de uma crise devastadora.
Desde o início desta crise, Bolsonaro piorou. No episódio em
que ele estimulou manifestações contra o Congresso, no domingo, 15 de março, o
presidente foi aconselhado por várias pessoas do governo a não fazer isso,
principalmente porque o surto do coronavírus estava entrando numa espiral. A
uma das pessoas mais fiéis a ele no governo, e que sugeriu que ele
desmobilizasse o ato, Bolsonaro deu uma resposta que revela bem o delírio
persecutório em que vive mergulhado:
– Eu só tenho as ruas, a mídia quer me derrubar, o Rodrigo
quer me derrubar, o Dória quer me derrubar. Eu não posso dizer para as ruas:
vão pra casa. Eu preciso das ruas. Eu não estou estimulando, mas eles estão lá
e eu abraço eles.
O Brasil estava entrando em período de grande padecimento e
o que ocupava a cabeça do presidente era a ideia fixa de que todos são contra
ele. E nem vê que as ruas estão se esvaziando. Ninguém é dono da rua, porque
ela muda de lado.
Bolsonaro se perde em brigas laterais ou conflitos que ele
mesmo inventa. Naquele primeiro pronunciamento em que disse que o Covid-19 era
uma gripezinha, ele foi muito aconselhado dentro do Palácio a mudar o tom.
Preferiu ouvir o grupo da milícia digital que tem sua sede dentro do próprio
Palácio. Ele não apenas falou o que quis como continuou nas declarações rápidas
demonstrando até a falta de empatia humana, ao tratar com desprezo as mortes
ocorridas e por acontecer em decorrência da pandemia.
O pronunciamento da última terça-feira parecia uma mudança
de rumo, mas o que houve de bom naquela fala foi enxertado pelos seus
ministros. O objetivo de ir à TV que ele revelou à sua claque na porta do
Palácio era disseminar a tese falsa de que o diretor-geral da Organização
Mundial da Saúde (OMS) defendia a volta ao trabalho. Corrigido no mesmo dia por
Tedros Adhanon, e contido no conselho de governo, Bolsonaro mesmo assim usou
indevidamente as declarações do secretário-geral da OMC.
Seu comportamento irresponsável diante da crise o deixa
isolado e o torna periférico no seu próprio governo. Ele se consome de ciúmes
dos subordinados que brilham. Mas até as decisões que toma para impor limites
no seu ministério, como mudar o formato do briefing diário da saúde, está tendo
efeito bumerangue. A cada dia se vê ministros indo lá e afirmando o oposto do
que o presidente diz. O ministro Eduardo Ramos na sexta-feira agradeceu à imprensa
e ao Congresso e disse que tem falado com os estados, o ministro Mandetta
várias vezes reforçou a orientação dos governadores, a ministra da Agricultura
desmentiu que houvesse risco de desabastecimento.
O Congresso, os economistas, a imprensa, os médicos, os
infectologistas, os governadores e os prefeitos empurraram o executivo na
direção certa do distanciamento social, da ampliação da rede de proteção social
aos mais vulneráveis, do aumento dos gastos com saúde. E agora a sociedade
cobra prazos de execução das medidas, principalmente no socorro a quem mais
precisa. As ameaças do presidente de determinar a volta ao trabalho estão sendo
contidas pelas alertas da Justiça. Se baixar a ordem de volta à atividade, o
Supremo impedirá. E isso com base no direito à saúde consagrado na Constituição
e no princípio de que saúde pública é atribuição compartilhada entre União,
estados e municípios. O país vai se governando. Ao presidente, resta o teatro
na porta do Alvorada para uma claque cada vez mais reduzida e os robôs
controlados pelo filho 02.
O bonito da democracia é isso: ela encontra seu caminho,
mesmo nas piores situações como a que vivemos.
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