Não foi a primeira vez nessa crise sanitária que o
presidente Bolsonaro deu sinais de que iria voltar atrás para logo em seguida
destruir o esforço conciliatório. A primeira foi quando recuou da convocação
para a manifestação contra Supremo e Congresso e depois correu para os braços
dos manifestantes. A segunda aconteceu quando ele disse estar havendo uma
histeria no país para em seguida recuar e adiante anunciar que faria uma
festinha para comemorar seu aniversário e o da mulher. E, finalmente, diz num
pronunciamento que a Covid-19 não passa de uma gripezinha e culpa os
governadores por futura crise econômica.
Depois, em novo pronunciamento fala em entendimento e
trabalho conjunto com as autoridades estaduais e, no dia seguinte, compartilha
vídeo fake com críticas aos governadores.
Não dá para levar este homem a sério. Os jornais de ontem
apontaram a mudança de tom do presidente. Foi uma benevolência arriscada.
Embora a afirmativa fosse correta, Bolsonaro de fato mudara o tom, era óbvio
que a nova abordagem sobre o tema não duraria muito. Pois durou menos de 12
horas. O depoimento pregando a conciliação foi ao ar às 20h30m de terça. O
vídeo com ataque aos governadores foi compartilhado às 7h57m de ontem. Já
escrevi aqui, há muito pouco tempo, que não podemos passar a mão na cabeça de
Bolsonaro como se fosse um menino travesso que pede desculpas depois de fazer
uma arte. Ele não merece mais a confiança dos brasileiros.
O presidente está muito mal cercado. Os únicos assessores
que ouve são os filhos e os terraplanistas de sempre. Gente séria, que
aparentemente só deseja o melhor para o país, como os ministros Braga Netto,
Tereza Cristina, Tarcísio de Freitas, Luiz Henrique Mandetta, Sergio Moro e
Paulo Guedes não conseguem romper o círculo de ferro e ódio armado em torno de
Bolsonaro. Os que chegam a se aproximar um pouco mais são logo sabotados por
Zero Um, Zero Dois e Bananinha. O Zero Dois agora sentou praça dentro do
Palácio do Planalto. Pode? Acho que não, mas no estilo de governar desta turma
muito não pode e ela ainda assim segue fazendo.
A novidade desses dias é que o presidente tem chorado. Só
faltava essa. Matéria de Igor Gielow, na “Folha”, revela que Bolsonaro chorou
numa reunião com gente que nem era de seu círculo mais próximo. Depois, no
domingo, ao voltar do passeio pelas cidades-satélites do Distrito Federal, ele
falou com jornalistas e deu para ver na TV seus olhos brilhando. Uma imagem do fotógrafo
Orlando Brito da mesma cena não deixa dúvidas, ele quase chorou. Essas lágrimas
significam duas coisas, uma delas identificada pelo repórter da “Folha”.
Bolsonaro está fragilizado emocionalmente. Eu acrescento que essa emoção, se
verdadeira, deveria ser atribuída às inúmeras bobagens que ele comete. Se
fossem honestas, seriam lágrimas de arrependimento.
Mas não são honestas. O choro presidencial lembra outras
lágrimas da história nacional. Me refiro a um episódio envolvendo o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Lula chorou publicamente inúmeras
vezes antes, depois e ao longo do seu mandato. Mas um deles, o que ocorreu no
discurso após ter sido conduzido coercitivamente para depor em São Paulo, foi
de puro oportunismo político. Não havia por que chorar, e um homem como Lula
não se quebra facilmente. Tanto que não derramou uma lágrima sequer quando foi
preso. Mas naquele discurso, lágrimas cairiam bem, dramatizariam um ato
jurídico legal, embora desnecessário.
O presidente e o ex-presidente são de matizes absolutamente
diferentes, mas as lágrimas de Bolsonaro agora não diferem em nada das de Lula
de março de 2016. Na reunião com gente pouco conhecida, talvez quisesse que
vazasse sua emoção fingida. No domingo passado, Bolsonaro tentou chorar quando falava
dos brasileiros que precisam trabalhar para levar comida para casa.
Francamente, um homem que não se importa que pessoas morram com a Covid-19 e
que atrasou em uma semana a distribuição de recursos emergenciais aos mais
pobres não vai chorar depois de passear no mercado da Ceilândia. Por isso
aqueles olhos estavam apenas rasos d’água.
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