SÃO PAULO – A crise provocada pela pandemia do novo
coronavírus deixará uma herança negativa mesmo após a doença ter sido
controlada, sobretudo no mercado de trabalho. Segundo o Instituto Brasileiro de
Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), a taxa de desemprego, a massa
salarial e a massa total de renda terão em 2020 o pior desempenho de suas
séries históricas, mesmo com as medidas do governo para amenizar a perda de vagas
e salários.
Na edição de abril do Boletim Macro, antecipado ao Valor, o
Ibre estima que, sem as políticas governamentais, a massa de rendimentos
ampliada cairia 10,3% no ano. Incluindo as transferências de auxílio
emergencial para informais, os benefícios do Bolsa Família e compensação de
parte da renda para trabalhadores formais que entrarem na Medida Provisória
936, a redução será de 5,2% – queda mais forte da série elaborada pela
entidade, iniciada em 2003.
Nessa conta, além da renda do trabalho, são considerados
benefícios previdenciários e de assistência social. Já a massa de renda real
dos ocupados deve encolher 14,4% em 2020, com recuo de 6,6% da população
ocupada e de 8,6% do rendimento médio efetivo. Assim, calcula o pesquisador
Daniel Duque, a massa de renda do trabalho terminará o ano 3,2% abaixo do nível
do começo da série do IBGE, em 2012.
Já a taxa de desemprego do país, medida pela Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, deve alcançar
17,8% na média anual, vindo de 11,9% em 2019. Este também seria o pico da série
retropolada do Ibre para a Pnad, que tem dados desde 1981.
Coordenadora técnica do Boletim Macro, Silvia Matos afirma
que as medidas do governo são mais efetivas para sustentar a renda do que a
ocupação. Isso porque, diferentemente da crise financeira de 2008 e 2009, o
choque atual atingirá em cheio o setor de serviços, que concentra 70% da mão de
obra e 60% dos trabalhadores informais.
“Esta crise é muito diferente e, potencialmente, pode gerar
mais destruição de empregos”, disse Silvia, que participou ontem da “Live do
Valor ” com o tema Conjuntura em tempos de pandemia. Na transmissão, Silvia
falou dos impactos da covid-19 já detectados sobre a economia brasileira e
sobre os que estão por vir.
O coronavírus atinge o Brasil num momento em que o mercado
de trabalho já estava mais frágil, observou ela. O contingente de trabalhadores
informais e conta própria com CNPJ subiu, em média, 3% ao ano de 2017 a 2019,
destacou, bem acima do ritmo do PIB e do setor formal. “Era um setor que podia
ofertar trabalho, a despeito da fraqueza da economia. Agora, a crise bate
diretamente nesses segmentos e por isso é difícil que o governo consiga
preservar mais empregos.”
Por isso, comentou a pesquisadora, as políticas governamentais
para atenuar a redução da renda são importantes, já que manter o nível de
ocupação é mais complicado. “Provavelmente, não vamos salvar tantos empregos
formais [quanto seria possível]”, afirmou.
Isso porque, em sua visão, dificuldades para normalizar o processo de implementação das medidas e para garantir segurança jurídica a empresas e trabalhadores fizeram com que o governo “perdesse um pouco de tempo”.
Isso porque, em sua visão, dificuldades para normalizar o processo de implementação das medidas e para garantir segurança jurídica a empresas e trabalhadores fizeram com que o governo “perdesse um pouco de tempo”.
De acordo com Duque, os dados de março já começaram a
refletir os efeitos econômicos da pandemia. Em seus cálculos, os desempregados
representaram 12,7% da força de trabalho no primeiro trimestre, percentual que
foi de 11,6% nos três meses terminados em fevereiro. Já o rendimento médio real
efetivo ainda deve ter alta de janeiro a março, de 1% ante igual período de
2019, mas terminará 2020 em nível 8,6% menor do que o do ano passado, aponta o
pesquisador.
“O cenário é de grande perda de empregos e renda. A
composição das perdas também dificilmente será homogênea, e será dependente das
políticas públicas adotadas”, diz Duque. No mercado formal, ele destaca o
Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, que possibilita a
suspensão do contrato ou redução dos salários, com compensação parcial do
governo pelo seguro-desemprego.
O governo, menciona o economista, prevê que 70% dos ocupados
no setor privado estarão sob esse acordo nos próximos meses, o que corresponde
a cerca de 25 dos 35 milhões de empregados nesta categoria. “No entanto, até 15
de abril, apenas 1,7 milhão de trabalhadores estavam sob esse novo regime,
colocando em dúvida a escala efetiva que tal política terá”, pondera Duque.
No mercado informal, o custo de manutenção das atividades é
menor em relação ao setor formal, mas, enquanto a circulação de pessoas estiver
restrita, grande parte dos empregos será afetada, comentou ele, ainda que esses
postos de trabalho possam ser recuperados após a crise.
Para Silvia, é possível pensar em início de normalização do
mercado de trabalho brasileiro em 2021, mas esse processo não vai mudar o elevado
nível de informalidade na economia. “Infelizmente, em 2021 acho que a gente
volta para um patamar nesse sentido, com informalidade ainda mais alta do que
quando começou a crise.”
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