O recurso à Lei de Abuso de Autoridade pelo presidente Jair
Bolsonaro para contestar a quebra de sigilo do vídeo da reunião ministerial é
mais um capítulo do enfrentamento que se dispôs a sustentar contra o Supremo
Tribunal Federal. Do ângulo jurídico a menção é absolutamente vazia, mas cumpre
o objetivo de intimidação.
O presidente mostra que levará adiante seu propósito de
desqualificar as decisões da instância máxima do Poder Judiciário. Na verdade,
os ataques constantes ao STF refletem a sua inconformação com o texto
constitucional de 88, do qual a Suprema Corte é a guardiã e maior intérprete.
Nossa constituição tem problemas e jamais foi unanimidade –
nem será. O ex-presidente José Sarney vaticinara que ela tornaria o país
ingovernável. O advogado Saulo Ramos, embora considerasse que cumpriu seu
objetivo no essencial, a ironizava em muitos aspectos. Nelson Jobim, que dela
participou, considerou certa vez que foi feita com “os olhos no retrovisor”.
Vê-se, portanto, que dela sempre houve queixas, esteve no caminho
de muitos presidentes e governos. Não faltou a muitos o desejo de revogá-la,
mas a ninguém foi dada a ousadia para tal. Quem teve força parlamentar obteve
mudanças. É o caminho da luta política. Só no ano passado foi aprovada a
reforma da Previdência.
Mas, na falta de uma base parlamentar para alterá-la, o
presidente pretende um STF acuado. Vale lembrar sua frase à porta do Palácio da
Alvorada: “Eu sou a Constituição”.
O meio, mais uma vez, foi o twitter, um dos mais eficientes
no universo digital para o exercício da chamada democracia direta, que ignora a
representatividade parlamentar. Bolsonaro conquistou a maioria necessária à sua
eleição, mas não a maioria dos eleitores, se considerado o nível de abstenção
no pleito.
Tem sido assim no Brasil, mas governar exclusivamente para
os seus, não foi um bom caminho para os que precederam Bolsonaro no poder. Ao
escolhê-lo, ignorando o universo total de eleitores, representado no Congresso
Nacional, o presidente se entrega a uma espécie de darwinismo político e
social, que defende também para enfrentar a pandemia.
Durante a reunião ministerial, o ministro da Economia, Paulo
Guedes, foi nessa linha ao defender o uso de recursos públicos para salvar
grandes companhias e excluir as pequenas empresas. “Nós vamos ganhar dinheiro
usando recursos públicos pra salvar grandes companhias. Agora, nós vamos perder
dinheiro salvando empresas pequenininhas”. Isso explica o fato de 86% das
“pequenininhas” terem seus pedidos de crédito negados.
É um pensamento alinhado ao do presidente da República, mas
não o único. Quem não se alinhou, virou passado, inclusive dois ministros da
Saúde, em plena pandemia. Nesse contexto, não é difícil compreender a ira do
ministro da Educação, Abraham Weintraub, ao pregar a prisão dos ministros da
Suprema Corte, após (des) qualificá-los como vagabundos.
A rigor, em circunstâncias institucionais normais, Weintraub
estaria demitido em seguida à divulgação do vídeo, em nome da harmonia entre os
poderes. Não há, porém, como fazê-lo sem comprometer o governo com sua
declaração, pois não foi admoestado em nenhum momento da reunião.
O twitter presidencial indica que isso não representa
constrangimento, pois sem sequer esboçar uma explicação, ainda que precária,
para o episódio, reforça alinhamento com a fala do ministro.
O ambiente institucional continuará ruim por muito tempo,
pois já está claro que a contestação ao STF é, na verdade, uma forma de
contornar, pela via direta com a população, os limites impostos aos poderes da
república pela Constituição Federal.
Isso não dá ao presidente a carta branca que deseja para governar ao seu modo, mas corrói a estabilidade institucional para abrir caminho a uma crise mais séria.
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