O pedido de demissão de mais um ministro da Saúde —em menos
de um mês e durante a mais grave emergência sanitária da história
contemporânea— escancara a derrocada de um presidente da República que já nem
mesmo finge governar o país.
Importa menos, até, a perda de um quadro como Nelson Teich,
de permanência no posto insuficiente para tomar conhecimento dos meandros da
máquina administrativa. Tampouco seria insuperável a saída do antecessor, Luiz
Henrique Mandetta, que cultivara boa imagem em entrevistas acerca do combate ao
coronavírus.
Está em curso, isso sim, a completa e justificada
desmoralização do governo nacional, a cada dia nublado pela mesquinharia e pela
estupidez de Jair Bolsonaro.
Torna-se inimaginável, na Saúde, que algum profissional
sério e sensato vá conformar-se a um chefete obcecado com quiméricas
cloroquinas e, pior, empenhado numa cruzada macabra contra as imprescindíveis
políticas de distanciamento social a custo tocadas por governadores e
prefeitos.
Obstáculos similares se apresentam às demais áreas da gestão
que ainda gozam de alguma credibilidade. Todas, cedo ou tarde, tendem a estar
subordinadas à única prioridade real do presidente —agarrar-se a um cargo para
o qual reúne parcas condições intelectuais, morais, programáticas e políticas.
Sua intervenção cretina na gestão da saúde pouco difere da
ingerência na Polícia Federal que pode custar-lhe o mandato. Num e noutro caso,
trata-se de colocar a própria sobrevivência acima das políticas de Estado e do
interesse nacional.
Ao investir contra quarentenas, Bolsonaro pretende se eximir
de responsabilidade pela recessão inevitável. Na acintosa afronta à autonomia
da PF, ambiciona desvencilhar-se de investigações que o envolvem e a seus
filhos. O próximo passo, tudo indica, será o loteamento do Executivo em favor
de forças partidárias fisiológicas.
“Vou interferir. Ponto final”, vociferou o presidente na
reunião ministerial de 22 de abril, cujo conteúdo gravado em vídeo é peça-chave
no inquérito que apura um possível —e crescentemente plausível— crime de
responsabilidade.
Sua defesa se apega à ausência de menção explícita à
instituição policial no trecho, o que soa como filigrana diante do conjunto da
obra. Na saída de Sergio Moro da Justiça, como nas de Teich e Mandetta, sobram
as evidências da recusa presidencial à impessoalidade da administração, que as
trocas na PF apenas expõem formalmente.
Com meros 500 dias de mandato, Bolsonaro subtrai opções. Não bastassem as calamidades sanitária e econômica, ele próprio converteu-se em crise a ser enfrentada.
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