O mais espantoso na reunião é o conjunto. São duas horas
repletas de palavrões e delírios, de escárnio e desrespeito com o país. O
Brasil atravessando a sua pior crise em décadas, e em nenhum momento o
presidente fala da pandemia como um problema que o preocupasse. Essa ausência
choca. Suas falas coléricas são concentradas na defesa da sua família e dos
amigos, no insulto aos adversários políticos, e em ordens para que os ministros
defendam o governo. E sim, ele claramente quis interferir na Polícia Federal e
disse que tem um sistema particular de informação. Na breve fala do ministro Nelson
Teich, ele disse “a gente não é um barco à deriva”. Engano. Aquela reunião
prova que o Brasil não tem governo, está à deriva no meio de uma tragédia.
Brasileiros morrendo sem respiradores, a doença já se
espalhando de forma avassaladora pelo país, os governadores e prefeitos tomando
medidas em desespero, pela ausência de uma orientação central, e o presidente
acha que o importante era armar a população:
— Como é fácil impor uma ditadura no Brasil. O povo dentro
de casa. Por isso eu quero, ministro da Justiça e ministro da Defesa, que o
povo se arme. É a garantia de que não vai ter um filho da puta, aparecer para
impor uma ditadura aqui. Não dá para segurar mais. Quero todo mundo armado,
porque povo armado jamais será escravizado. Quero escancarar essa questão do
armamento.
Os militares ministros do governo em silêncio diante da
proposta de que a população seja toda armada para defender o país de quem o
presidente define como inimigo. Enquanto isso já havia 2906 mortos e nos 30
dias seguintes iria passar de vinte mil. Mas aquelas pessoas que dirigem o
Brasil se mobilizavam pelo risco suposto de pessoas serem presas e algemadas
por prefeitos e governadores.
— Pego as minhas 15 armas e vou usar para matar ou morrer se
minha filha for presa — diz o presidente da Caixa.
A ministra Damares propõe que se prendam os governadores,
mas há outros ameaçados.
— Eu por mim botava esses vagabundos todos na cadeia,
começando no STF — disse o ministro da Educação, Abraham Weintraub, no meio de
catarse cheia de palavrões, ao gosto do presidente, em que em nenhum momento,
outra notável ausência, falou em educação.
Parte da reunião é dedicada a xingar a imprensa. Logo depois
de dizer que entre os valores do seu governo está a liberdade de expressão,
Bolsonaro ameaça os ministros caso falem com os jornalistas.
— A questão da imprensa, não pode falar nada, tem que
ignorar esses caras, pautado por esses pulhas, se puder falar zero com a
imprensa.
Em um dos muitos momentos escatológicos, Bolsonaro afirma:
— Na linha do Weintraub, o que os caras querem é a nossa
hemorroida, a nossa liberdade.
Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, vê na crise uma
grande oportunidade.
— A oportunidade que nós temos agora que a atenção da
imprensa tá voltada exclusivamente pro Covid… enquanto estamos nesse momento de
tranquilidade porque a imprensa só fala de Covid, ir passando a boiada — e
propôs que se fizesse o que ele acabou fazendo, portaria e instruções
normativas para mudar as leis ambientais do país.
Essa ruína é o governo do Brasil. Alguns ministros
aproveitaram para fazer lobby, como o do Turismo, em favor da liberação dos
cassinos. Houve desentendimentos em torno da economia, se é o plano Marshall do
ministro Braga Netto, ou as ideias do ministro Paulo Guedes, que, aliás, tem um
explícito objetivo político:
— Não pode ministro querer ter um papel preponderante esse
ano e destruir a candidatura de um presidente, que vai ser reeleito se nós
seguirmos o plano das reformas estruturantes originais.
Em outro momento, Guedes volta ao ponto:
— Vamos fazer todo o discurso da desigualdade, vamos gastar
mais, precisamos eleger o presidente.
No meio dessa reunião enojante houve uma ou outra palavra de
sensatez. O então ministro Moro lembrou que o combate à corrupção foi bandeira
da campanha, o ministro Rogério Marinho avisou que “caiu um meteoro na nossa
cabeça”, o então ministro Teich alertou que não tinha como abrir a economia
porque “o medo impede que qualquer atividade tenha sucesso”.
O presidente disse sim, que iria interferir na Polícia Federal, se é prova de crime o que se busca. Mas o conjunto da reunião mostrou a miséria moral do governo. Este governo não merece o Brasil.
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