Não é preciso arrolar, pela enésima vez, os ilícitos e as
perversões que desabam sobre a sociedade. Formam robusto prontuário. Só não os
vê quem não quer.
A continuidade do governo Bolsonaro ameaça a vida, a Nação,
a sociedade. Lança-nos num vórtice de destruição, que potencializa o vírus e
infecta a reprodução da ordem social.
Precisamos dar um basta a essa situação, em que a insanidade
governamental se mistura com o ativismo fanatizado da extrema direita e com o
silêncio dos democratas. Bolsonaro é a crise viva, em expansão. Sua remoção
precisa ser posta na mesa, para que se evite o abismo.
Mas não é só o impeachment. Será preciso reorganizar o País.
Disputas internas não ajudarão, por mais que sejam inevitáveis.
Também somos responsáveis pelo que está aí. Cometemos erros,
que não foram processados. Continuamos a nos dividir, a brigar com a própria
sombra, a insistir em atitudes e discursos que não dialogam com as pessoas, não
as direcionam, não as esclarecem. Somos prisioneiros do cálculo eleitoral, do
oposicionismo retórico. Estamos carentes de ideias, de luzes, de lideranças. De
articulação.
Temos de encontrar um meio de fazer oposição com eficácia e
generosidade. Sem vetos. Sem postulações doutrinárias. Sem maniqueísmos. Sem
tergiversações. É um suicídio continuarmos a repetir fórmulas que não funcionam
mais e prolongam uma agonia paralisante.
Há que agir. No Parlamento, nas redes sociais, na imprensa,
nos núcleos da sociedade civil. A quarentena não é pretexto para ficarmos à
espera de um raio que caia em Brasília. A cautela não dispensa a denúncia
veemente, antes a exige.
Ainda há muitos brasileiros impregnados pela imagem
redentora do “mito”, ressentidos, frustrados, com raiva, sem compreensão dos
tempos da política, do valor da democracia e da representação parlamentar.
Precisamos alcançá-los, trazê-los para o terreno da racionalidade democrática.
Não avançaremos repetindo mantras surrados, que não levam a lugar nenhum, nem
convencem quem precisa ser convencido.
Devemos reconhecer nossas limitações, insuficiências, falhas
de compreensão da realidade.
Os democratas brasileiros – de centro, liberais,
conservadores, de esquerda – deixaram-se dividir por excessos, querelas
ideológicas, batalhas infrenes de poder. Levaram longe demais a exploração de
suas diferenças. Não olharam atrás da porta. Não perceberam que pela direita
crescia uma onda contrária a eles, hostil a seus programas, às perorações de
seus líderes, ao modo como se apresentavam ao mundo.
Não decodificaram a linguagem da época. Continuaram
amarrados aos mesmos dogmas, às mesmas diatribes e polêmicas, reunindo-se em
tribos impotentes, agredindo-se reciprocamente.
Menosprezaram o adversário principal, achando que poderiam
derrotá-lo com um sopro. Assistiram à propagação de uma gosma venenosa que
contagiou parte importante da população. Permaneceram agarrados às obsessões de
antes, a fantasmas insepultos, a promessas ocas e frases de efeito.
Em 2018 perderam a eleição presidencial para um político
tosco, inescrupuloso e manipulador, que fez seus adversários comerem poeira.
Foi um espetáculo vergonhoso, trágico, pelo qual estamos pagando alto preço.
Passada a refrega, os democratas permaneceram a lamber suas
feridas. Viram o circo pegar fogo, orbitando lideranças que não lideram,
rotinas engessadas, partidos estraçalhados e impotentes. Hoje zelam pelas
instituições e pelos ritos constitucionais, o que é ótimo. Mas suas falas não
reverberam, só fazem prolongar a existência de um governo perdido e
descompensado.
Continuaremos a brigar as mesmas brigas? Teremos coragem e
disposição para reorganizar a agenda, aposentar o que não mais agrega valor à
política, buscar o que lateja em meio aos escombros do sistema que ajudamos a
erguer, mas não mais nos ajuda? Saberemos afastar preconceitos e abrir espaço
para os jovens, as novas linguagens, os youtubers e comunicadores, os
parlamentares que não seguem ordens partidárias rígidas? Ou vamos prosseguir
achando que somos donos do futuro?
Muitos acreditam que o sistema de pesos e contrapesos está
intacto. Em nome disso, ignoram o arbítrio e a violência legal do Executivo.
Não criticam os jogos procrastinadores do Congresso, a covardia de suas
lideranças. São benevolentes com o Judiciário.
Chegamos à hora da verdade. Necessitamos de pessoas que ajam
com firmeza democrática e republicana. Nossa fronteira está além de
contraposições inúteis entre esquerda e direita, liberalismo e socialismo,
mercado e Estado. Temos de nos reposicionar. Reaprender a dialogar, com
paciência e tolerância. Que os moderados se disponham a lutar, que os radicais
lutem de outro modo. Que todos baixem o tom, dispensem maximizações
extemporâneas e apurem o foco.
Ou os democratas se unem com determinação – para fazer
política, travar a luta cultural, interpelar a população – ou o País ficará
inviável por um longo período.
Unamo-nos, enquanto há tempo!
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