Parlamentares que transitam na cúpula das duas Casas
legislativas afastam um eventual impeachment alegando que a popularidade do
presidente Jair Bolsonaro ainda é alta, não tem ambiente político, a economia
claudica, mas ainda não tombou, e não tem povo na rua – até porque a pandemia
da covid-19 impede aglomerações. Essas lideranças insistem que “precisa de povo
na [Avenida] Paulista para derrubar presidente”.
Do rol de justificativas, o argumento cabal é a ausência de
uma liderança nacional que traga estabilidade ao país. “Vamos tirar o Bolsonaro
para colocar quem no lugar?” É a pergunta que todos se fazem e,
invariavelmente, vem acompanhada de um silêncio e um suspiro. Um dirigente
partidário observa, em tom pragmático, que “Bolsonaro é o que temos para o
jantar”.
A leitura predominante entre parlamentares influentes nas
duas Casas é a de que um impeachment neste momento só favorece o
vice-presidente Hamilton Mourão e mais dois atores: o ex-ministro da Justiça e
Segurança Pública Sergio Moro e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB).
“E ninguém no Congresso gosta deles”, sublinha um senador
experiente, sobre Moro e Doria. A menção a Mourão sugere outro verbo: não é
gostar ou desgostar, trata-se de desconfiar.
Embora Moro tenha feito gestos de aproximação com o mundo
político na passagem pelo governo, a maioria dos parlamentares ainda o vê como
o “xerife” da Lava-Jato, que levou dezenas de deputados e senadores ao banco de
réus.
Em março de 2017, a temida “Lista de Janot” – do então
procurador-geral da República, Rodrigo Janot – decorrente da Lava-Jato,
resultou em 83 pedidos de abertura de inquérito para investigar políticos
citados nas delações de executivos da Odebrecht. Um mês depois, o ministro
Edson Fachin do Supremo Tribunal Federal autorizou a investigação de oito
ministros, três governadores, 24 senadores e 39 deputados.
Em outra frente, João Doria não empolga os congressistas. No
começo do ano, o tucano era candidato a se reeleger governador. Mas o
acirramento da crise sanitária e o palanque alcançado pelo antagonismo a
Bolsonaro lhe conferiram protagonismo nacional e o catapultaram de volta à
corrida sucessória.
Apesar da visibilidade, Doria tem dificuldade em conter o
avanço do coronavírus no Estado, que se consolidou como o epicentro da
pandemia. Ontem, em um discurso veemente, o tucano prometeu reagir se ficar
confirmado que o governo federal o estaria retaliando politicamente, por
exemplo, ao não enviar respiradores para o Estado. “Espero que o governo
federal não faça seletividade política dos brasileiros que podem ou não podem
sobreviver”, advertiu.
Outra ressalva é a de que Doria não desperta empatia na
bancada nordestina. “Como é que eu vou chegar com o Doria no Nordeste?”,
questiona um veterano do Senado, observando que o paulista não tem apoio na
região, assim como Bolsonaro.
Por fim, Doria não une nem o PSDB. O ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso não esconde a simpatia pelo projeto de Luciano Huck, embora há
um mês tenha reconhecido em entrevista que Doria cresceu na crise, enquanto o
apresentador encolheu. Além disso, uma ala dos tucanos prefere como presidenciável
o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite.
A pesquisa XP/Ipespe realizada há um mês mostrou que
Bolsonaro alcança 28% de ótimo e bom, e 44% de ruim e péssimo. Políticos do
Centrão consideram esses números relevantes, se comparados aos índices dos
presidentes que sofreram impeachment.
Quando o então presidente da Câmara Eduardo Cunha (ex-MDB) –
hoje em prisão domiciliar, por causa da covid-19 – deflagrou o processo contra
Dilma Rousseff em dezembro de 2015, a petista tinha 69% de ruim e péssimo
segundo pesquisa CNI/ Ibope. Fernando Collor tinha 59% de ruim e péssimo em
agosto de 1992, segundo a CNI/Ibope – em dezembro os senadores aprovaram o
impeachment.
Deputados e senadores ouvidos pela coluna creditam, em parte, a popularidade de
Bolsonaro ao auxílio emergencial de R$ 600 concedido a um terço da população,
embora a proposta originária tenha partido da oposição. “Acabou se
transformando no Bolsa Família dele”, observou um senador.
Mas a avaliação quase unânime desse grupo influente é que a
crise em torno das denúncias de Sergio Moro, em tramitação no STF, tem a força
de um traque. “Videozinho não derruba presidente, o que o derruba é a economia
e povo na rua”, reforça este senador.
Para outra liderança do Senado, Moro puxou o gatilho e
atingiu o presidente, mas ainda não foi a bala de prata. Segundo este
parlamentar, o descontrole sobre a pandemia fulminará Bolsonaro, porque o
Brasil ficará entre os dois países com o maior número de vítimas fatais da
covid-19, e cada família brasileira poderá ter perdido um parente ou um amigo
para o coronavírus.
Ao mesmo tempo, nesse cenário de luto nacional, milhares de
empresas terão ido à falência e o número de desempregados terá se multiplicado.
“Isso vai enterrar a popularidade dele e será a bala de prata”, concluiu o
senador.
Para neutralizar o “risco Mourão”, a oposição tenta
convencer o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a criar uma comissão
especial para votar a PEC 37 dos ex-líderes do PT Paulo Teixeira (SP) e
Henrique Fontana (RS). A proposta impede o vice-presidente de assumir em
definitivo a Presidência da República, na hipótese de vacância do cargo, e
amplia a regra a governadores e prefeitos. No Amazonas, por exemplo, começou a
tramitar o impeachment do governador Wilson Lima (PSC).
Segundo a emenda, vagando o cargo de presidente, será
realizada eleição direta em 90 dias para escolha do sucessor. O texto também
dispõe que “em nenhuma hipótese” o vice assumirá a chefia do Executivo em
definitivo.
O relator da PEC é o deputado Felipe Francischini (PSL-PR), ex-aliado de Bolsonaro. A PEC teria efeito imediato. Para justificar, um petista evoca a PEC da reeleição de Fernando Henrique em 1997, que beneficiou o então titular do cargo.
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