O quanto o ativismo militar conturbou a vida da nação é uma
questão já decidida pela história. Interessa agora saber por que os militares
deixaram de se ater exclusivamente às suas funções profissionais e
constitucionais para assumir protagonismo político. Também faz-se necessário
alertar sobre os riscos que esse caminho embute, capaz de afetar a imagem das
Forças Armadas, comprometendo, assim o ativo conquistado com a democratização do
país, quando recuaram organizadamente para os quartéis.
Seu ativismo, em parte, é consequência do fracasso dos anos
do lulopetismo e da crise ética que levou de roldão partidos e lideranças
civis, políticas ou empresariais. A adesão de oficiais da reserva e da ativa a
Jair Bolsonaro se deu por identificação a determinados valores, mas também pela
crença de que poderiam exercer um papel moderador dentro do governo. E dariam a
ele um sentido de racionalidade. Diga-se, historicamente as Forças Armadas atuaram
como “poder moderador” até 1988, quando pela Constituição esse papel passou a
ser do Supremo Tribunal Federal.
De fato, os generais do governo começaram conseguindo impor
limites aos jacobinos do bolsonarismo. Mas, em vez de domarem Bolsonaro, parece
terem sido por ele domados. A linha divisória entre militares em atividade
civil e a instituição Forças Armadas vem sendo borrada aos poucos.
Para o bem ou para o mal – e a vida está demonstrando que
para o mal – tudo o que o grupo militar palaciano faz respinga na imagem da
instituição. As Forças Armadas são o pessoal da ativa, não há dúvidas, e ela
mesma se considera assim. Quando os generais da ativa, Luiz Eduardo Ramos e
Eduardo Pazuello, respectivamente ministro-chefe da Secretaria de Governo e
ministro interino da Saúde, vão a uma manifestação de apoiadores do presidente
e presenciam palavras de ordem contra a democracia, é impossível não ver ali o
endosso tácito da instituição. O mesmo acontece quando o general Augusto
Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, divulga
uma nota intimidatória para o STF, com o aval do ministro da Defesa, general
Fernando Azevedo e Silva.
Essa confusão pode gerar um conflito de interesses entre o
núcleo palaciano e a cadeia de comando da tropa. Sobretudo porque os palacianos
vendem a narrativa de que há uma conspiração para não deixar Bolsonaro
governar, capitaneada pelo presidente da Câmara Rodrigo Maia, por Alexandre
Moraes e, agora, Celso de Mello, ambos ministros do Supremo.
Outro ponto de atrito é a hipertrofia de militares em cargos
governamentais, inclusive do pessoal da ativa. Reconheça-se, se deu em parte
pela absoluta indigência do bolsonarismo em matéria de gestores capacitados.
Mas, como é do ser humano, isso cria interesses próprios e estimula um
apadrinhamento de tipo novo. Cada general ou coronel nomeado para o governo,
leva também o seu staff.
Ora, se o premiado é da ativa, ele passa a ter uma
remuneração bem superior a quem tem a mesma patente, mas não foi agraciado com
um cargo na administração. Isso é o germe para despertar reivindicações
salariais na tropa, tema que no passado foi causa de várias crises, como a do
Manifesto dos Coronéis, de 1954. Ou para despertar invejas e subserviências.
Por hierarquia e disciplina, os militares não podem criticar
o presidente, que é o chefe supremo das Forças Armadas. Mas é inegável a
quantidade de confusões geradas por Bolsonaro. A ideia de armar milícias com
fins políticos, portanto a criação de um poder militar paralelo, é inconcebível
para o oficialato, uma vez que o monopólio da segurança deve estar nas mãos do
Estado, das Forças Armadas, em caso de defesa da nação. Por muito menos elas se
opuseram aos “grupos dos onze” de Leonel Brizola.
O mal que Bolsonaro está fazendo às Forças Armadas é enorme.
Elas atrelaram o seu destino a um governo que é a própria negação aos
princípios do positivismo, no qual a racionalidade e a valorização da ciência
são dois traços marcantes
As Forças Armadas não são instituição do governo de plantão,
mas do Estado brasileiro.
Somos um país de fronteiras secas imensas, de um mar
territorial gigantesco. Garantir a inviolabilidade aérea, territorial, marítima
são os principais deveres das Forças Armadas. São procedentes as preocupações
dos oficiais quanto à defesa na Amazônia Legal. A região é fronteiriça com a
Venezuela, cuja crise pode se desdobrar em guerra civil.
Agregue-se ainda: a Amazônia tem sido um campo aberto ao
contrabando de minérios e à biopirataria. Tráfico de drogas e de armas,
contrabando de mercadorias, também são problemas nas fronteiras. Tudo isso é
séria ameaça à soberania nacional. Os militares querem e podem enfrentá-la,
desde que lhes sejam dadas as condições, em termos de quantidade de tropas e de
armamento moderno.
O país precisa que as Forças Armadas deixem a política de lado e se voltem exclusivamente para suas missões constitucionais.
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