Para nossa sorte, o ministro da Saúde não tem muita
importância. Quem comanda as ações nacionais no combate ao coronavírus são
governadores e prefeitos. O Supremo Tribunal Federal já deixou isso resolvido.
Teich, Pazuello ou Terra, nenhum deles tem poder para alterar a jornada de
combate e controle da maior crise sanitária desde a gripe espanhola. O
distanciamento social, principal mecanismo para conter o contágio, é
determinado pelos gestores estaduais e municipais. Nem o decreto de Bolsonaro
ampliando os setores considerados essenciais, como salões de beleza e
academias, colou. Os governadores ignoraram o presidente.
A demissão de Nelson Teich guarda, entretanto, alguns
problemas de naturezas diversas. A primeira e mais grave, aumenta a desconfiança
dos agentes econômicos no Brasil. O drama da economia vai se transformando em
caos diante de mais este terremoto promovido por Bolsonaro. Em seguida, medidas
como compras centralizadas de ventiladores, EPIs e outros produtos usados pela
rede pública de saúde podem sofrer solução de continuidade. Sob Teich já se via
este imobilismo. Ele gastou apenas o equivalente a 9% do despendido pelo seu
antecessor.
E há um outro problema, que foi objeto de crítica do
vice-presidente Mourão em artigo publicado na quinta-feira no Estadão. A
demissão amplia o prejuízo à imagem do Brasil no exterior. Mas, ao contrário do
que escreveu o vice, este prejuízo é sempre causado porque o presidente
brasileiro insiste em mostrar ao mundo como age de forma atabalhoada e difusa
em qualquer ambiente, mesmo em meio a uma pandemia. Finalmente, escancara para
todos os brasileiros a enorme capacidade do capitão em causar problemas para o
país e para si próprio. Bolsonaro parece um macaco em loja de louças. Quebra
tudo em que seus braços, suas pernas e seu rabo tocam.
De outro lado, apesar de tentar agora passar uma imagem de
independência, Teich foi um desastre na Saúde. Quando sentou-se na cadeira de
Mandetta, torrado pelos ciúmes doentios de Bolsonaro, desmontou um time técnico
super dedicado, militarizou as estruturas do ministério e suspendeu as
coletivas diárias de imprensa (usadas por governos em todo mundo para orientar
a população). Hoje, 200 mil casos e 15 mil mortos depois, Teich sai dizendo que
não quer manchar sua biografia. Tarde demais, ela já foi irremediavelmente
tingida.
O ex-ministro deixou o cargo se rebelando contra o uso da
cloroquina. Foi um gesto nobre, mas antes de pedir demissão Teich foi checar em
hospitais se havia alguma chance de o remédio funcionar. No pronunciamento que
fez não tocou no assunto e ainda agradeceu a confiança de Bolsonaro depositada
nele. Se sua gestão foi uma tragédia, sua saída foi lamentável, não porque
saiu, mas pelo que não disse. Não atacou o entusiasmo do presidente com a cloroquina.
Desde a primeira onda do presidente em favor do remédio, o Laboratório Químico
e Farmacêutico do Exército multiplicou por dez a fabricação da droga e tem tudo
para ficar com o mico na mão. A menos, claro, que o novo ministro da Saúde
obrigue os hospitais federais a comprar os estoques do Exército, mesmo que não
sejam usados.
Não importa quem seja o substituto de Teich, ele será ruim
ou pior. O que é incrível. Ruim é o general Pazuello, por ora interino. Pior
seria o deputado Osmar Terra, que esta semana voltou com tudo. Um mês depois de
dizer a Eduardo Bolsonaro que os casos não estavam apenas caindo, mas sim
“despencando”, ele retomou a palavra para insistir no fim do distanciamento
social. Afirmou que uma epidemia dura no máximo 13 ou 14 semanas, salientando
que estamos na sétima semana e que o pior já passou. No dia em que Terra viu os
casos despencando, dizendo que ao filho do presidente que já dava para
“comemorar”, havia no país 25.684 casos confirmados e 1.552 mortes registradas.
De lá para cá, o número de casos e mortes aumentou dez vezes.
Ilegal, e daí?
O acampamento de apoiadores radicais de Bolsonaro na Esplanada dos
Ministérios é daquelas coisas que apenas no Brasil são toleradas. Ele é ilegal,
todo mundo sabe, mas permanece lá. Já aconteceu antes com líderes da UNE, com
sindicalistas do PT, com os sem-terra do Stédile e os sem-teto do Boulos. Há
uma lei que proíbe acampamentos na Praça dos Três Poderes, nos gramados em
frente ao Congresso e nos que se estendem entre os prédios dos ministérios. A
lei era e é ignorada. Há, porém, uma grande diferença entre os acampados da
esquerda e os da extrema direita. Aqueles era militantes, estes são milicianos
armados que ultrajam a democracia e representam risco para a segurança pública.
E mais
Parece bobagem, pode ser, mas também não é legal acampar na Praça
Lafayette, em frente à Casa Branca, ou nos Jardins dos Champs-Élysées, diante
da sede do governo francês. Em Washington e em Paris a lei é cumprida. Quem a
desrespeita sofre com a mão pesada do Estado. Não há jeitinho, não tem
conversa. É ilegal, não pode. No Brasil, não só pode como as autoridades deixam
estar. A novidade do acampamento dos milicianos da Esplanada é que a Justiça
autorizou sua permanência no local. O juiz Paulo Cavichioli Carmona julgou
tratar-se de uma manifestação legítima. Armas? Atos antidemocráticos?
Agressões? A Justiça é cega e o magistrado não viu.
Outros interesses
Jair Bolsonaro tem outros interesses no Rio para os quais a PF pode ser
útil, além de proteger seus filhos e seus novos aliados políticos do centrão.
São os amigos milicianos e os inimigos no governo do estado, a começar pelo
governador Wilson Witzel.
Nunca antes
Rodrigo Maia perdeu uma grande chance de ficar calado. Ao sair do gabinete
de Bolsonaro falando em pontes e diálogos, o deputado mostrou que insegurança
pode bater em qualquer um, mesmo no manda-chuva que mostrou determinação e
personalidade ao aprovar a reforma da Previdência no ano passado. Rodrigo não
deveria sequer ter ido ao Planalto no dia em que o presidente disse que ele
jogava para “afundar o país e ferrar com a economia”. E lá estando, deu mole e
foi fisgado como um peixinho perdido. Nunca antes se viu um presidente da
Câmara tão amador como Maia neste episódio.
Marido traído
A alternativa do presidente Bolsonaro para evitar aborrecimentos em
reuniões ministeriais foi cancelar os encontros.
“De agora em diante, não tem mais isso, será só um cafezinho
com bandeira hasteada”, disse o capitão, tirando o sofá da sala.
Silvinho de farda
O general Luiz Eduardo Ramos, secretário-geral da Presidência da República,
foi designado por Jair Bolsonaro para controlar a distribuição de cargos e
verbas para a turma do centrão.
Ele é quem decide quanto cada parlamentar pode levar em dinheiro para o seu
município e quais cargos serão entregues aos partidos e seus líderes.
Ramos cumpre a mesma tarefa que Sílvio Pereira, o Silvinho
Land Rover, realizava durante o primeiro mandato do ex-presidente Lula.
Silvinho era o operador de cargos durante o mensalão. Abre o olho, general.
Aliás
De cargos, aliás, os militares entendem muito bem. Para onde quer que se
olhe na Esplanada dos Ministérios, vê-se militares e parentes de militares em
postos de segundo e terceiro escalões.
Os 20 mil cargos de livre nomeação no governo federal já
foram ocupados majoritariamente por sindicalistas, na era petista, políticos e
amigos de políticos, na gestão do ex-presidente Michel Temer, e agora são de
oficiais das três Forças Armadas, suas famílias e suas turmas.
Distanciamento da realidade
Bolsonaro não consegue ver a realidade. Se ele não tivesse atrapalhado
tanto, incentivando as pessoas a desrespeitarem o distanciamento social, talvez
agora pudéssemos já estar discutindo o relaxamento das medidas e a cuidadosa
reabertura da economia.
A MP inútil
A MP que blinda agentes públicos de processos civis ou administrativos
durante a pandemia de coronavírus não serve para crimes contra a humanidade. Tampouco
alcança quem cometa negligência que resulte na morte de milhares de pessoas.
Parece que Bolsonaro foi mal assessorado.
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