Para os bolsonaristas, o melhor é já irem se acostumando
Filhos acima de tudo, só abaixo do pai
O presidente Jair Bolsonaro tem mais o que fazer do que se
preocupar com o coronavírus que já matou quase 17 mil pessoas e infectou 254
mil; o índice de desmatamento na Amazônia, o maior registrado nos últimos 10
anos no mês de abril; a dificuldade enfrentada por donos de pequenos negócios
de acesso a linhas de crédito especiais. Mesmo a escolha de um novo ministro da
Saúde, o terceiro em pouco mais de 500 dias de governo, pode esperar.
No momento, são duas as prioridades de Bolsonaro:
preparar-se para defender seu mandato ameaçado por um processo de impeachment;
e salvar a pele do seu filho Flávio, investigado sob a suspeita de que embolsou
parte do salário dos funcionários de seu gabinete à época em que era deputado
estadual no Rio. Foi para ajudar a carreira política dos filhos que ele se
lançou candidato a presidente. Uma vez eleito, imaginou que o futuro deles
estava garantido.
Um amigo de Bolsonaro, que ele chama de Fred, ouviu seu
desabafo na noite da vitória, em 28 de outubro de 2018: “Estou fodido”. Em
seguida, o presidente começou a chorar. Fred não sabe dizer se o desabafo e o
choro tinham a ver com a situação de Flávio, avisado por um delegado da Polícia
Federal de que em breve viria a público a história do esquema da rachadinha
comandado por ele e Queiroz. Ou se tinham a ver com o despreparo de Bolsonaro
para governar.
É possível que o interesse de Bolsonaro em controlar a
Polícia Federal tenha nascido depois da operação que, em 8 de novembro daquele
ano, prendeu 10 deputados colegas de Flávio, acusados de corrupção. Eleito
senador, Flávio escapou ileso. Mas nem tanto. Virou um grande problema para o
pai, só menor do que o outro filho, Carlos, vereador, o mais instável deles.
Sempre que Carlos entra em crise, o pai teme que ele possa cometer um tresloucado
gesto.
Filhos acima de tudo, só abaixo do medo do pai de não
completar o mandato. Até porque, sem o pai, eles não seriam nada. Às favas
todos os escrúpulos, o que não fará tanta falta a Bolsonaro. Seus eleitores que
o perdoem por esquecer a promessa de jamais ceder cargos públicos em troca de
votos para governar. Não se trata mais do toma-lá-dá-cá para aprovar no
Congresso projetos do governo. Trata-se impedir que o governo acabe antes da
hora.
Na semana passada, para delírio dos bolsonaristas de raíz,
Abraham Weintraub, ministro da Educação, teve o desplante de proclamar que não
cederia cargos sob o seu comando para saciar o apetite de políticos
fisiológicos. Deu a entender que se fosse obrigado na fazer isso, iria embora.
Pelo visto, alguém lhe deu um toque e Weintraub recuou. O cargo de diretor de
Ações Educacionais passará a ser ocupado por um nome indicado pelo Partido
Liberal (PL).
A diretoria de Ações Educacionais é responsável por alguns
dos programas mais importantes do Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação. Tem um orçamento de mais de R$ 50 bilhões. Cuida da compra de livros
didáticos, merenda e transporte escolar. O PL indicou um nome sem nenhuma
experiência na área de educação – o advogado Garigham Amarante Pinto,
ex-assessor do deputado Wellington Roberto, líder do partido, que por sua vez…
Wellington Roberto é o homem de confiança de Valdemar Costa
Neto, ex-presidente do partido, mas, na prática, o dono do PL. Costa Neto
ganhou fama quando vendeu por R$ 6 milhões o apoio do partido à eleição de Lula
para presidente em 2002. A fama cresceu quando ele foi condenado e preso no
caso do mensalão do PT. Da Penitenciária da Papuda, em Brasília, continuou
mandando no partido e negociou cargos com Dilma Rousseff.
Melhor para os bolsonaristas já irem se acostumando. Para o
bem de Bolsonaro e dos seus filhos, o leilão de cargos está mal começando.
O preço que Bolsonaro pagará por ser quem é
À espera de vê-lo na tela
Previsão compartilhada por ministros de tribunais superiores
em Brasília e advogados com larga experiência em assuntos dessa natureza: do
ponto de vista legal, dará em nada para o presidente Jair Bolsonaro a denúncia
do ex-ministro Sérgio Moro de que ele tentou intervir politicamente na Polícia
Federal.
E também dará em nada a denúncia de que ele soube com
antecedência do adiamento da operação da Polícia Federal, no Rio, que
resultaria na prisão de deputados envolvidos com corrupção. A operação traria a
público o esquema da rachadinha, comandado por seu filho Flávio e seu amigo de
mais de 40 anos, Fabrício Queiroz.
Quando trouxe, sobrou até para Michelle, mulher de
Bolsonaro, em cuja conta bancária apareceu dinheiro de Queiroz. Bolsonaro
apressou-se em dizer que era dinheiro de uma dívida, contraída por Queiroz com
ele. Assessorado por advogados indicados por Bolsonaro, Queiroz nada disse que
pudesse comprometer a família.
Segundo ministros e advogados, será muito difícil provar que
Bolsonaro cometeu crime de obstrução de Justiça só por ter manifestado sua
intenção de mandar diretamente na Polícia Federal. Mesmo que se prove que vazou
para ele a informação sobre o adiamento da operação da Polícia Federal, foi
antes da eleição.
Presidente da República só pode ser processado por crime
cometido no exercício do cargo. Não foi o caso. Bolsonaro sofrerá, sim,
desgaste político com as duas revelações. Mais com a primeira, se o ministro
Celso de Melo, do Supremo Tribunal Federal, liberar para divulgação integral o
vídeo da reunião ministerial de 22 de abril último.
Que tal assistir Bolsonaro ameaçar de demissão Moro e o
diretor-geral da Polícia Federal? Que tal ouvir os palavrões que ele costuma
dizer quando está nervoso? E a gargalhada que deu quando o ministro das
Relações Exteriores, Ernesto Araújo, chamou o coronavírus de “comunavírus”,
culpando a China por sua criação?
Como Bolsonaro reagiu quando o ministro da Educação sugeriu a prisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal, e a ministra da Mulher e dos Direitos Humanos acrescentou que governadores e prefeitos também deveriam ser presos? O vídeo eternizou muitas outras coisas capazes de envergonhar até devotos dessa gente.
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