É lógico que uma democracia representativa digna do nome não
tem condições de se firmar onde a ética da impessoalidade do Estado não se
desenvolva; e tal ética, por sua vez, não se consolida se as Forças Armadas se
mantiverem no universo do populismo ou do caudilhismo. Em qualquer país, a
inexistência de harmonia entre essas esferas institucionais cedo ou tarde dará
ensejo a retrocessos e, no limite, ao próprio rompimento da ordem
constitucional. No Brasil, tal situação ficou claramente exemplificada nos
episódios da renúncia de Jânio Quadros (1961) e do desgoverno de João Goulart
(1961-1964).
Em 1945, logo ao regressar da guerra na Itália, o marechal
Mascarenhas de Moraes deu o cartão vermelho para o ditador de plantão, o Sr.
Getúlio Vargas, e exigiu a realização de eleições e a convocação da Assembleia
Constituinte, como viria a ocorrer em 1946. Mesmo nos 21 anos (1964-1985) em
que exerceram autoritariamente o poder, os militares não permitiram a
personalização do poder, como era tradicional na América Latina.
No período recente, o populismo e a corrupção dos oito anos
de Lula, aos quais se seguiram a incompetência e o voluntarismo econômico de
Dilma Rousseff abortaram a retomada do crescimento econômico, mas o desarranjo
institucional não chegou a se configurar plenamente, graças, é certo, ao penoso
processo do impeachment de Dilma, Mas comparado ao ciclo Lula-Dilma, o momento
atual suscita preocupações bem maiores.
A partir da eleição de 2018, a reação às sandices e tensões
cultivadas pelo PT e o esvaziamento dos partidos de centro deixaram o espaço
aberto para o surgimento de uma força política — o bolsonarismo — perigosa
tanto na base quanto na cúpula. Na base, devido ao vazio de ideias, à
hostilidade contra a ordem institucional e à agressividade dos adeptos de Jair
Bolsonaro. Na cúpula, o presidente em vez de apaziguar os ânimos, fomenta os
antagonismos; em vez de observar a liturgia do cargo que ocupa, não perde uma
chance de desmoralizá-lo. Será tal comportamento uma simples emanação de
idiossincrasias ou peças de uma estratégia que parece ser loucura, mas pode ter
método. ´
Fato é que, alternando ameaças e gaiatices, Jair Bolsonaro parece empenhado em esticar a corda, em testar limites e em debilitar os anticorpos ainda existentes no Congresso, no STF e nas Forças Armadas. É um filme que já vimos muitas vezes, mas nunca tendo no papel principal um personagem tão manifestamente descerebrado.
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