Política é um jogo de signos. O PT oscila, taticamente,
entre o verde e amarelo e o vermelho. O bolsonaro-olavismo insiste nas cores
nacionais, mas empunha três bandeiras simultâneas, desfraldando também as dos
EUA e de Israel. Nesse passo, revela um nacionalismo equívoco, uma aversão
essencial ao Brasil e a alma de um partido sem pátria.
O cálculo de marketing norteia o PT. Verde e amarelo
funciona para ofensivas destinadas a vencer eleições ou conservar a
popularidade de seus governantes. Já o vermelho funciona para as conjunturas de
recuo, quando se trata de reunificar sua base militante, evitando dissensões.
A postura ofensiva tem raiz autoritária, pois identifica a
parte (o partido) ao todo (a nação). A defensiva, ainda que acompanhada
ritualmente por discursos sectários, é democrática: “Nós, vermelhos, somos uma
corrente política, entre as várias disponíveis no mercado de ideias”.
O impulso autoritário, representado pela invariável apropriação
partidária das cores brasileiras, norteia o bolsonaro-olavismo. Mas a presença
dos pendões estrangeiros, que provoca tanta curiosidade, indica algo mais: a
pátria amada não é a realmente existente. Para esses patriotas de araque, o
Brasil não serve: deve ser substituído não por uma, mas por duas pátrias
imaginárias.
A primeira tem contornos seculares: EUA. O Brasil precisa
tornar-se uma outra coisa, que não existe de fato, mas pertence à mitologia
identitária. No universo delirante do cortejo presidencial, o modelo é uma
nação de colonos armados organizada como Estado-milícia. Na base dessa
ideia-força encontram-se o elogio do individualismo extremado, o desprezo às
políticas sociais, a aversão à diferença, a nostalgia de uma “idade de ouro”
puramente ficcional. Donald Trump, o líder adorado, sintetiza a pátria terrena
imaginária.
A segunda tem contornos sagrados: Israel. Seitas
neopentecostais oriundas dos EUA adotaram o “sionismo cristão”, doutrina
escatológica apoiada na profecia de que a reunião de todos os judeus em Israel
é condição para o segundo retorno de Jesus.
No Brasil, os chefes dessas igrejas messiânicas tornaram-se
aliados vitais de Bolsonaro, oferecendo-lhe acesso privilegiado a seus estoques
de fiéis. Binyamin Netanyahu, um líder sionista secular, aproveita-se da crença
apocalíptica que não compartilha para obter respaldo à sua política de anexação
dos territórios palestinos ocupados.
A natureza do bolsonaro-olavismo impede que se articule como
partido nacional. De um lado, porque recusa a condição de parte, de corrente
singular, almejando obsessivamente representar a totalidade da nação: não é
casual que o esboço inconcluso de entidade partidária bolsonarista, a Aliança
pelo Brasil, carregue na sua certidão de batismo o nome da pátria. De outro,
porque rejeita a política nacional, alistando-se em dois movimentos
estrangeiros: a “Internacional dos nacionalistas”, de Trump e Bannon, e a
“Internacional cristã-sionista”, do neopentecostalismo.
O caleidoscópio de cores e bandeiras que cerca Bolsonaro é
um fruto dos detritos filosóficos espalhados por Olavo de Carvalho. O grau de
influência do Bruxo da Virgínia sobre o círculo presidencial não deve ser
desprezado, pois é função direta da ignorância desses acólitos. Mas o
personagem central da tragédia é Bolsonaro, que não compreende os significados
da paisagem simbólica erguida ao seu redor. Ao contrário do mestre místico, ele
tem uma única pátria, que não é o Brasil, nem os EUA ou Israel.
A pátria de Bolsonaro é a família. Não a família brasileira
ou a família tradicional, essas fabricações de reacionários de churrasco, mas a
sua própria família, com o entorno de relações suspeitas e conexões obscuras
que um dia virão à luz. O brasão dos Bolsonaro –eis o estandarte oculto no
carnaval das manifestações domingueiras.
*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.
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