Merval Pereira, O
GLOBO
O pedido extemporâneo do Procurador-Geral da República,
Augusto Aras, para que seja suspenso o inquérito sobre fake news aberto há um
ano no Supremo Tribunal Federal (STF) só tem explicação no clima de tensão que
dominou o Palácio do Planalto com a operação de ontem da Polícia Federal contra
apoiadores do presidente Bolsonaro.
Sendo assim, o Procurador-Geral coloca o Ministério Público
à mercê da disputa política que ora se desenvolve no país, prejudicando sua
credibilidade. Suas idas e vindas sobre o tema, apontadas pelo partido político
Rede, demonstram que ele se deixou levar pelas incertezas da política, sem
emitir pareceres técnicos. De olho grande na vaga do STF que abrirá em
novembro, dizem seus críticos.
A cronologia dos fatos é impressionante. Quando assumiu o
cargo, Aras discordou de sua antecessora, Raquel Dodge, que, em abril do ano
passado, declarou-se contrária à abertura do inquérito sem a presença do
Ministério Público, e deferiu a Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) impetrada pelo Rede no sentido de suspendê-lo.
O novo Procurador-Geral, em outubro, manifestou-se pela
validade do inquérito, e classificou de imprestável a ADPF. Ontem, seis meses
depois, o mesmo Aras mudou de ideia e pediu a suspensão do inquérito baseado na
mesma ação do Rede.
O presidente Bolsonaro já havia dito ao então ministro
Sérgio Moro que o inquérito que abrangia parlamentares bolsonaristas era “mais
um motivo para a mudança”, referindo-se à Polícia Federal.
A operação de busca e apreensão autorizada pelo ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes nas casas dos investigados
poderá revelar, através dos celulares e computadores, toda intrincada rede de
montagem do que pode ser, segundo o STF, uma organização criminosa dedicada a
espalhar mentiras, injúrias, difamações contra os adversários políticos e a
disseminar noticias falsas com intuitos políticos.
Essa central de mentiras e difamação teria uma base
instalada dentro do Palácio do Planalto, que os parlamentares ouvidos na
investigação chamaram de “gabinete do ódio”. Assessores do governo comandam
desde lá os ataques coordenados aos “inimigos”, e o principal orquestrador
seria o vereador Carlos Bolsonaro, o 02 do presidente.
O ministro Alexandre de Moraes foi até mesmo cauteloso, e não
aceitou o pedido para fazer busca e apreensão nas casas dos parlamentares
investigados, que foram apenas intimados a depor.
Esse inquérito do Supremo Tribunal Federal sobre fake news
tem ligações indiretas com as ações que correm no Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) sobre a campanha presidencial da chapa Bolsonaro-Mourão, acusada de ter
se beneficiado de esquemas ilegais de distribuição de fake news e
impulsionamentos de propagandas políticas de WhatsApp.
O temor do Planalto é que, como já está acontecendo,
partidos políticos peçam para que o TSE incorpore as provas coletadas às ações
em curso, ganhando dinâmica própria o pedido de impugnação da chapa.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, declarou-se
surpreendido pela operação policial, mas foi informado pelo ministro Alexandre
de Moraes, que abriu vista por uma semana para ele se manifestar sobre as
diligências.
O vice-presidente Hamilton Mourão reagiu à operação com um
Twitter onde confunde ação penal com investigações. Afirmou que o STF não está
cumprindo a Constituição, que diz que o Ministério Público é o dono da ação
penal pública, mas essa questão já fora dirimida lá atrás, quando Raquel Dodge
arquivou o processo justamente com esta argumentação.
O ministro Alexandre de Moraes decidiu que “o sistema
acusatório de 1988 concedeu ao Ministério Público a privatividade da ação penal
pública, porém não a estendeu às investigações penais”.
O Supremo, no momento, é que estabelece a maior barreira
democrática para coibir os avanços autoritários do governo, atingindo uma
coesão poucas vezes vistas. A Polícia Federal continua sob suspeita depois da
interferência de Bolsonaro, e mesmo as ações de hoje podem ser atribuídas ao
fato de o ministro Alexandre de Moraes não ter deixado que a nova administração
trocasse os agentes que trabalham há quase um ano no inquérito.
O Legislativo, depois que o Centrão aderiu ao governo, está excessivamente cauteloso, tendo o presidente Rodrigo Maia perdido o controle do plenário. E a atitude cambiante do Procurador-Geral da República coloca em xeque também o Ministério Público.
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