Claro que cabe à Polícia Federal investigar malfeitos de
governadores e outras autoridades estaduais, atendendo a determinação judicial.
Também é da competência da PF abrir inquérito para apurar ataques contra
membros do Supremo Tribunal Federal. As duas ações deflagradas ontem e antes de
ontem são, portanto, absolutamente legais. Houve desvio de dinheiro público no
Rio e a conduta do governador Wilson Witzel levanta suspeitas. Sobre as fake
news contra o STF e seus ministros que infestam as redes sociais não resta
qualquer dúvida, faltando apenas descobrir quem as financia, produz e
dissemina.
As duas operações da Polícia Federal estão no meio de um
redemoinho político. As ações de busca e apreensão feitas em endereços do
governador Witzel, inclusive os dois palácios oficiais do governo, ocorrem
pouco mais de um mês depois da intervenção do presidente Jair Bolsonaro na PF.
Não que a polícia pudesse agir sozinha, mas ordens judiciais só existem porque
são obtidas. Há elementos que corroboram a impressão de que houve uma incitação
política no caso. Dois deputados bolsonaristas, Carla Zambelli e Anderson
Moraes (ambos do PSL), deram declarações informando que haveria operação da PF
antes de ela ocorrer.
Há duas semanas, Anderson disse que o “japonês da Federal
iria bater na porta de Witzel”. Zambelli mencionou a operação na véspera, numa
entrevista à Rádio Gaúcha. Disse que governadores estavam sendo investigados
pela PF. Confrontada com o fato, afirmou que havia lido a informação na
imprensa. Mentiu. Outro fator foi o apelido dado à operação antes mesmo de ela
ser deflagrada. Tanto Zambelli quanto o assessor especial para assuntos
internacionais do Palácio do Planalto, Filipe Martins, a chamaram de Covidão. O
apelido ganhou as redes, alimentando o bolsonarismo radical.
O próprio Bolsonaro admitiu que a obra é sua. Ontem, ao
falar aos seus seguidores na portaria do Palácio da Alvorada, Bolsonaro disse
que enquanto for presidente vai ter mais ações como a deflagrada contra Witzel.
Ele confessou o crime. Não cabe ao presidente da República determinar que tipo
de ação deve fazer a PF nem decidir contra quem ela deve operar. Por esta
intervenção indevida o capitão está sendo investigado. A Polícia Federal é uma
instituição do Estado brasileiro, não do chefe do executivo.
Nenhuma dúvida de que Witzel tem que responder sobre os
crimes cometidos sob suas barbas. Há inúmeros indícios de que ele foi no mínimo
conivente na compra superfaturada de respiradores e na contratação esquisita de
hospitais de campanha.
Houve desvios, contratos foram assinados mesmo sendo
amplamente desfavoráveis ao estado, sete hospitais foram contratados e apenas
um foi entregue, e o subsecretário de Saúde está preso. Havia mesmo o que se
investigar, mas não precisava do empurrão de Bolsonaro. A ação aparentemente
furou a fila e teve motivação política.
Do outro lado, a ação de ontem em endereços de gente como
Roberto Jefferson e Luciano Hang, dois dos mais fanáticos apoiadores de
Bolsonaro, também tem um componente político, mas não guarda nenhuma semelhança
com a incitação provocada por Bolsonaro sobre os desvios no Rio. Neste caso, os
ofendidos são os ministros do Supremo, alvos de uma campanha de mentira,
difamação e desestabilização sem precedentes nas redes sociais. Mais do que
justa, a operação é obrigatória e defende não apenas juízes, mas a instituição
e, em última instância, a própria democracia.
Os ataques contra o Supremo atingem a nação inteira. O ex-deputado Roberto Jefferson, um dos principais estimuladores a ataques ao STF, prega a sua dissolução e o compara ao nazismo. Ontem, o ex-deputado, condenado a mais de dez anos de reclusão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, disse que o presidente Bolsonaro deveria aposentar os onze ministros e nomear outros. Pregou um golpe, o aloprado. E, se restava alguma dúvida sobre a legitimidade da ação, ela desapareceu quando Carlos e Eduardo, dois dos três zeros de Bolsonaro, a condenaram.
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