A CPMF tem má fama. Por isso o governo tenta outros nomes. O
ministro Paulo Guedes ora fala em “imposto digital” ora diz que será sobre
“transações eletrônicas”. Na verdade, o governo está tentando desde o começo
trazer de volta o tributo que provocou muitas distorções. Ele incidiria sobre
todos os pagamentos da economia, pesaria sobre todas as compras e transações
financeiras, e dos dois lados, o que na prática vai duplicar a alíquota. O
governo adoça o nome e oferece os prêmios, como a dizer: tudo isso será seu se
aceitares o meu novo imposto.
A primeira coisa a fazer é apresentar a proposta e chamar
tudo pelo nome certo. A palavra “digital” soa moderna e parece embutir uma
porta de saída: se eu for analógico, poderei fugir do imposto? Se fosse isso,
seria um incentivo ao retrocesso e uma punição a qualquer transação eletrônica.
Ou seja, o governo estaria estimulando a que todos fossem fisicamente aos
bancos, mesmo podendo fazer pagamentos online, e se dirigissem pessoalmente às
lojas, mesmo preferindo compras online. Não é disso que se trata, mas se fosse
já seria absurdo.
O ministro Paulo Guedes sempre quis introduzir na economia a
proposta do ex-secretário da Receita Federal Marcos Cintra, desse imposto sobre
pagamentos nos moldes da CPMF. Quando Cintra foi claro sobre a natureza do seu
projeto tributário, ele foi demitido por decisão do presidente Jair Bolsonaro.
Na época, Guedes lamentou: “Morreu em combate nosso valente Marcos Cintra.”
Depois, Cintra disse numa entrevista que o governo continuava querendo
exatamente aquele imposto. Verdade. A ideia ainda é a primeira.
A má fama da CPMF vem da experiência de quem a pagou por dez
anos apesar de o “P” ser de “provisório”. Um imposto que engana. Parece uma
pequena alíquota. Alguém pode achar pouco pagar 0,2%. Mas é sobre todas as
compras, contratações, serviços prestados, vendas, aplicações, resgates, a
infinidade de transações que ocorre dentro da economia. Até chegar na sua mão
quantas etapas de pagamentos um produto já cumpriu? O imposto é cumulativo. É
regressivo. Rico e pobre pagam o mesmo. Vai no caminho oposto do que se quer
modernamente que é saber quanto de tributo há em cada mercadoria ou serviço.
Há outros efeitos colaterais. A CPMF incide sobre impostos
já pagos, ou seja, promove bitributação. Também leva à perda de competitividade
na economia ao estimular a verticalização. Empresas passam a incorporar todas
as etapas do processo produtivo internamente, para fugir do imposto pago pelo
serviço de terceiros. A informalidade cresce, e o spread bancário pode ficar
maior, provocando aumento das taxas de juros.
A vantagem para o cobrador de impostos é que ela arrecada
muito. Fica tentador. Da outra vez, o provisório foi ficando permanentemente na
economia até ser derrubado dez anos depois pelo Congresso, em 2007. Se a ideia
é repetir a história, que a proposta — como disse o presidente da Câmara,
Rodrigo Maia — seja apresentada integralmente. Assim, acabarão as suposições,
as meias verdades, os nomes de fantasia, a impressão de que a taxa recairá
sobre outro contribuinte. Não, recairá sobre todos.
O governo montou um pacote de bondades e frequentemente saca
de lá algum bom bocado para seduzir o contribuinte. Fala em desonerar a folha
para estimular o emprego, ou no mínimo a retirada parcial de encargos. Promete
elevar a faixa de isenção do Imposto de Renda Pessoa Física. Fala em fazer um
novo Bolsa Família, maior e mais amplo. Acena com um IPI menor. Paulo Guedes
chegou a fazer até uma pilha. “Você pode até reduzir cinco, sete, oito ou dez
impostos”.
Que as contas sejam mostradas, que os nomes próprios
apareçam. Esse jogo de balão de ensaio cansou. Todo governo gosta de CPMF. Em
janeiro de 2016, meses antes de deixar o cargo, a então presidente Dilma
Rousseff disse que “diante da excepcionalidade do momento” a CPMF era “a melhor
opção disponível”. Agora, Guilherme Afif, assessor de Guedes, diz: “A resposta
a quem critica é: me dê uma alternativa melhor do que essa. Ainda não vi.” Afif
ficou conhecido reclamando dos impostos excessivos e agora manda o contribuinte
arranjar uma ideia melhor. Ora, deve dizer claramente qual é a conta que
pretende enviar para o pagador de impostos.
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