Quando este artigo for publicado, infelizmente já teremos
perdido para a COVID-19 oitenta e cinco mil vidas brasileiras. É preciso que a
sociedade brasileira amadureça uma reflexão sobre porque somos um ponto
totalmente fora da curva. Afinal, temos 2,7% da população mundial e totalizamos
13,5% das mortes. Algo de muito errado aconteceu dentro de nossas fronteiras.
Neste momento dramático, a arte e o humor têm sido um
refúgio para atenuar o sofrimento coletivo. Como não chorar de rir com Bruno
Mazzeo e seu “Diário de um Confinado”, ou com Marcelo Adnet e seu “Quarentena”
ou ainda com a “Sala de Roteiro” de Antônio Prata, Fernando Meirelles e
excepcional elenco? Como não se encantar com os shows virtuais de Milton
Nascimento, Mônica Salmaso e tantos outros ou com a descoberta de novos
talentos como Vanessa Moreno? Ou mesmo com a preguiça inteligente de Caetano
Veloso em gravar a sua participação? Ainda bem que, no presente caso, a arte
não imita a vida.
Tenho falado de assuntos áridos. Mas hoje resolvi
compartilhar certo incômodo pessoal com os modismos e estrangeirismos destes
tempos de pandemia.
Confesso que sinto certo frio na coluna quando ouço alguém
falar sobre o “novo normal”. Mesmo as grandes rupturas históricas produziram
mudanças imediatas no arranjo do poder ou na estruturação da economia. Mas
quando falamos de mudanças comportamentais, sociais e culturais, o buraco é
mais embaixo. Não estou convencido de que haverá um “novo normal” com pessoas
mais solidárias e um mundo mais globalmente fraterno.
Os estrangeirismos também me incomodam. Não chego ao ponto
de meu ex-colega na Câmara de Deputados, Aldo Rebelo, que apresentou o Projeto
de Lei 1676/1999, visando à proteção e defesa do uso da Língua Portuguesa.
Certo dia estava sendo convidado para uma reunião virtual de
trabalho e meu colega disse que me mandaria um “invite”. Pedi que me enviasse
um convite, porque apesar de meu “iPhone” e meu “iPad” serem projetados pela
Apple nos EUA e fabricados na China, eram nacionalistas e só reconheceriam um
convite e não um “invite”. A reunião perderia certamente qualidade se não fosse
realizada no “Microsoft Team” ou no “Gloogle Meet”, e sim no “Brasil Equipe” ou
no “Encontro Verde e Amarelo”.
Os shows – já um americanismo – programados pela internet
estampam destacado “LIVE” com fulano de tal. Talvez perdessem charme e graça se
fossem simplesmente “AO VIVO”.
Meu Flamengo foi campeão carioca de 2020 e assisti pela
FLATV no “Youtube”. Talvez fosse menos emocionante se fosse transmitido pelo
“Você no Tubo”.
Com o isolamento social e o fechamento de bares e
restaurantes tivemos que nos habituar a fazer pedidos pelo “iFood” ou pelo
“UberEats” ou usar o redimensionado “Drive Thru” ou o “Take off”. Seria sem
graça se fosse pelo “Através do carro” ou no digamos “Tirar no desligado”. Até
o “Drive In” em desuso foi ressuscitado, já que cinemas e teatros estão
fechados.
E a proliferação de “Webnares”. O brilho seria outro se
fossem simples “Debates virtuais”. E os “Dashboards”, “Links” e “QR Codes” que
invadiram nosso cotidiano. Isso sem falar no fantasma do “Lockdown”, o vírus
teria menos medo se fosse um trivial “Confinamento”.
Sou um apaixonado pela língua de Camões, Fernando Pessoa, Guimarães, Machado, Drummond e Chico Buarque. Será que ela terá espaço no “novo normal”?
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