A mudez de Bolsonaro está inquietando a ala mais radical de
seu governo, que se ressente dos embates diários patrocinados pelo presidente.
Já há críticas ao que seria seu novo perfil, e o que se depreende disso é que
esse grupo, majoritário nas redes sociais, contenta-se com barulho e confusão e
nem nota que Bolsonaro continua a colocar sua ideologia e o pensamento
conservador mais retrógrado como elementos essenciais para escolher ministros
em várias áreas que considera urgente serem desparelhadas da esquerda.
Por isso o critério usado para a escolha está completamente
em desacordo com o que o país precisa. A secretaria de Cultura, por exemplo,
faz parte do ministério do Turismo, uma maneira de despreza-la. Tem um
secretário – o quarto – escolhido apenas porque é bolsonarista de carteirinha,
sem nenhuma relevância e experiência em gestão.
Na verdade, querem aparelhar a cultura e a educação com uma
posição reacionária radical. Bolsonaro calado não chega a ser um poeta, mas não
significa, porém, que seja outra pessoa, nem que tenha mudado de posição.
Talvez tenha aprendido que criar tumulto só dificultava suas ações e expunha o
governo a críticas permanentes.
O novo ministro da Educação, um pastor evangélico, pode ser
considerado a Damares do setor. Já apagou vídeos onde defende que a mulher tem
que obedecer ao marido, e que criança precisa sofrer para ser educada. É o tipo
de pensamento retrógrado que vai se refletir nos programas educacionais do
país.
O governo Bolsonaro não é uma solução contra o PT e a
esquerda, é mais um problema, com sinal trocado. Seu recato deve-se à situação
periclitante em que se encontra com seus filhos, todos cercados por inquéritos
e processos que têm como desaguadouro final o Supremo Tribunal Federal (STF).
Bolsonaro não se manifestou sobre as declarações de Gilmar
Mendes sobre o “genocídio” que tanto irritou os militares. O ministro é o
relator da ação no STF do senador Flavio Bolsonaro para que seu foro
privilegiado seja mantido. Mas também os militares não defenderam o governo
Bolsonaro da acusação de genocídio.
Essa é uma briga que não vai muito longe, as partes em
litígio estão dispostas a não agravar a situação. Mas existe uma tendência
mundial de ver nas políticas do governo brasileiro de combate à Covid-19 uma
atitude insensata contra as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS),
uma percepção de que o negacionismo de Bolsonaro provoca mortes. Também existe
uma campanha internacional contra a politica indigenista brasileira, não poucas
vezes classificada de “genocídio”.
A CNBB, referindo-se aos vetos presidenciais ao “Plano
Emergencial para Enfrentamento à Covid-19 nos Territórios Indígenas,
comunidades quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais” diz que são
“eticamente injustificáveis e desumanos, pois negam direitos e garantias
fundamentais à vida dos povos tradicionais, como por exemplo o acesso a água
potável e segura, (…) um direito humano essencial, fundamental e universal,
porque determina a sobrevivência das pessoas e, portanto, é condição para o
exercício dos outros direitos humanos”.
Ao abolir a obrigação de acesso à água potável e material de
higiene, de oferta de leitos hospitalares e de terapia intensiva, de
ventiladores e máquinas de oxigenação sanguínea, bem como outros aspectos
previstos no projeto de lei aprovado pelo Congresso, como alimentação e auxílio
emergencial, “os vetos violam o princípio da dignidade da pessoa humana (CF,
art. 1o, inc. III), do direito à vida (CF, art. 5o, caput), da saúde (CF, arts.
6o e 196) e dos povos indígenas a viver em seu território, de acordo com suas
culturas e tradições (CF, art. 231)”.
Essa discussão vai ser diluída para dar lugar a uma mais ampla, sobre a necessidade de se ter um ministro da Saúde que possa fazer uma política que proteja mais a vida do cidadão. O próprio Exército está incomodado com o fato de um general da ativa estar à frente do ministério sem ser especialista. O problema é achar um médico com currículo respeitável e reconhecido no meio que aceite as teses do presidente, como receitar cloroquina como remédio para o SUS.
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