Nem os parlamentares mais fiéis ao presidente Jair Bolsonaro conseguem
entender os rumos do governo. A deputada Bia Kicis (PSL-DF), bolsonarista acima
de qualquer suspeita, foi dispensada do cargo de vice-líder do governo no
Congresso porque votou contra a renovação do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) – exatamente como parecia ser o
desejo do Palácio do Planalto até pouco tempo atrás.
O governo menosprezou o projeto de renovação do Fundeb o quanto pôde,
considerando-o “demagógico”, conforme avaliação feita no início do ano pelo
então ministro da Educação, Abraham Weintraub, de triste memória. Na ocasião, o
ministro informou que o governo apresentaria sua própria proposta, o que jamais
aconteceu.
À medida que ficava claro que o Congresso votaria o novo Fundeb mesmo
sem qualquer participação do governo, os deputados que integram hoje a base
governista tentaram adiar a votação, mas foram atropelados. Houve então uma
negociação de última hora realizada por articuladores do governo para que o
projeto, amplamente apoiado pela opinião pública e por especialistas em
educação, tivesse afinal alguma digital de Bolsonaro. Só esqueceram de combinar
com o punhado de deputados que votam com Bolsonaro faça chuva ou faça sol –
entre eles a agora humilhada Bia Kicis.
“Foi uma votação quase unânime, 6 ou 7 votaram contra. Se votaram
contra, eles têm seus motivos. Só perguntar para eles por que votaram contra”,
disse o presidente Bolsonaro a respeito dos votos de seus fidelíssimos aliados.
Já a propósito do projeto que seu governo tanto sabotou, Bolsonaro disse que “o
governo conseguiu mais uma vitória” e que “a Câmara e o Executivo mostraram
responsabilidade”.
Esse é o retrato de um governo perdido. Ou melhor, de um governo que é
o reflexo de um presidente que não trabalha senão para se reeleger e proteger
sua prole – único projeto concreto que apresentou ao País até agora, relegando
às calendas suas retumbantes promessas de refundação da república. Em nome de
seus interesses privados, não pensa duas vezes antes de atirar ao mar seus mais
devotados seguidores e não se envergonha de tentar tomar para si os méritos do
Congresso no avanço de pautas de profundo interesse do País. Foi assim com o
Fundeb, foi assim na votação da reforma da Previdência – que o presidente igualmente
dificultou – e está sendo assim na reforma tributária, de cujo debate o governo
só decidiu participar quando percebeu que seria deixado de lado pelos
parlamentares.
Não é à toa que os deputados verdadeiramente bolsonaristas devem estar
confusos. Apoiaram cegamente um presidente que se elegeu prometendo abandonar a
“velha política”, e eis que agora são humilhados justamente por se manterem
fiéis a esse seu Bolsonaro imaginário – enquanto o Bolsonaro real abriu o
balcão de negócios com os partidos fisiológicos para ter algum apoio
consistente e conseguir sobreviver no cargo. “Alguns dizem que a minha bancada
votou contra”, disse o presidente a respeito da votação do Fundeb. “A minha
bancada não tem 6 ou 7 (deputados) não, é bem maior que essa daí.”
Como a votação do Fundeb e o debate sobre a reforma tributária
mostraram, a única bancada com a qual Bolsonaro pode realmente contar é “essa
daí”, goste ele ou não. Já os partidos de sua bancada “bem maior” vão votar
conforme sua agenda própria, que não necessariamente coincide com a do governo,
seja lá qual for.
Felizmente, o espírito do atual Congresso continua a ser firmemente reformista. Há promessas de avanço rápido da reforma tributária – a verdadeira, e não o arremedo apresentado pelo governo – e outras mudanças começam a entrar na pauta. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, informou que no processo de sua sucessão, em fevereiro do ano que vem, vai apoiar o candidato que se comprometer a tocar a reforma tributária. É uma sinalização de firmeza sobre a continuidade desse importante processo mesmo que mudem os líderes no Legislativo – e mesmo que o governo continue a fingir que não tem nada com isso.
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