Há muito tempo, a política para a Amazônia deixou de ser um
assunto de segurança nacional. Se tivéssemos que traçar uma linha divisória, do
ponto de vista histórico, quem sacou a mudança foi o ex-presidente José Sarney,
ao criar o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (Ibama), em 1989. A criação do Ministério do Meio Ambiente veio
depois, no governo Collor de Mello, em 1992, no rastro da Conferência Rio-92.
Desde então, o Brasil passou a ser uma referência em termos de construção de
uma política ambiental, apesar de todos os problemas nossos. Vem daí a ajuda
internacional que recebíamos para preservar a biodiversidade da Amazônia, até
Jair Bolsonaro assumir a Presidência e nomear Ricardo Salles para o Ministério
do Meio Ambiente. Pôs tudo a perder. Agora, corre atrás do prejuízo, porque os
investidores deram um basta à política de desmonte do Ibama e devastação da
Amazônia. O conceito de sustentabilidade passou a ser parte integrante das
cadeias de comércio global e a preservação da Amazônia, um problema de
sobrevivência da humanidade.
Nem todos concordam com isso, é claro. Terraplanistas,
negacionistas e reacionários existem no mundo inteiro, porém, nenhum deles tem
o poder destruidor da Amazônia do ministro Ricardo Salles, com suas boiadas,
como revelou na reunião ministerial de 22 de abril. Falou para agradar
Bolsonaro, mas a divulgação dos vídeos desnudou a loucura de nossa atual gestão
ambiental. O Brasil foi um dos grandes artífices das principais convenções
internacionais de meio ambiente, que tratam de mudanças climáticas, diversidade
biológica e desertificação, e do Acordo de Paris (2015). O governo Bolsonaro
resolveu fazer a roda da história girar para trás. Em apenas um ano e meio de
desatinos florestais, transformou o Brasil num pária ambiental, apesar de a
legislação existente no país servir de referência para políticas de
sustentabilidade no mundo todo: Lei das Águas (1997), Lei dos Crimes Ambientais
(1998), Política Nacional de Educação Ambiental (1999), Sistema Nacional de
Unidades de Conservação(2000) e Lei de Gestão de Florestas Públicas (2006).
A declarada intenção de burlar e desmontar essa legislação
provocou uma forte reação de governos, investidores e personalidades de todo o
mundo. O governo se viu obrigado a dar demonstrações de que vai mudar de
postura em relação à Amazônia, o que resultou na reunião de ontem do
vice-presidente Hamilton Mourão, que preside a Comissão da Amazônia, com investidores
estrangeiros. O governo foi duramente cobrado. Ao lado do chanceler Ernesto
Araújo, cuja gestão à frente do Itamaraty envergonha a diplomacia brasileira, e
do próprio Ricardo Salles, Mourão anunciou a intenção de aumentar a
fiscalização e proibir as queimadas na Amazônia Legal. No ano passado, a
primeira grande crise do governo foi provocada pelo avanço do desmatamento e
pelas queimadas na Amazônia. Na ocasião, o presidente Jair Bolsonaro
protagonizou um bate-boca com o presidente francês, Emmanuel Macron, no qual se
destacou pelas grosserias contra a primeira-dama francesa.
Campanha mundial
Agora, estamos diante de uma nova crise, por causa da
pandemia de coronavírus, que chegou às aldeias indígenas. As dimensões das
reservas indígenas sempre foram muito contestada pelos militares que cercam o
presidente Jair Bolsonaro, com destaque para o chefe do Gabinete de Segurança
Institucional (GSI), general Augusto Heleno, que foi comandante militar da
Amazônia. Entretanto, os estudos ambientais e as fotografias dos satélites
mostram que os índios, com suas reservas, são os verdadeiros protetores da
floresta. Mesmo do ponto de vista militar, o Exército não teria a menor
possibilidade de êxito em suas tarefas sem a incorporação dos índios às tropas
que guarnecem nossas fronteiras.
Acontece que o mundo está de olho na sobrevivência de nossos
índios, principalmente das etnias ameaçadas de extinção. O premiado fotógrafo
brasileiro Sebastião Salgado lidera uma campanha internacional em sua defesa.
Mineiro de Aimorés, ocupa a cadeira nº 1 da Academia de Belas Artes da França e
mobiliza artistas, intelectuais e personalidades de todo o mundo. Bolsonaro não
tem a dimensão do tamanho do problema que criou, inclusive para o agronegócio
brasileiro, que deixou de ser o grande vilão, porque a moderna agricultura não
precisa derrubar as florestas.
O arquétipo do herói de Bolsonaro na Amazônia é o
ex-deputado e major reformado do Exército Sebastião Curió Rodrigues, que atuou
como agente de informações na campanha contra a Guerrilha do Araguaia (PCdoB)
e, depois, como coordenador do garimpo de Serra Pelada. Quão distante é do
papel histórico do marechal Cândido Mariano da Silva Rondon (1865-1958), que
realizou uma saga sem paralelo nos sertões do Centro-Oeste e do Norte do país,
instalando linhas telegráficas ao longo de 1.650km de cerrado e 1.980km de
florestas amazônicas.
“Matar nunca, morrer se preciso for”, foi o lema que adotou para proteger os índios Bororo, Botocudo, Kaingang, Xokleng, Nambikuára, Xavante e Umotina (foto do Museu do Índio) ao implantar a ligação telegráfica entre Brasil, Paraguai e Bolívia nos sertões de Goiás, Mato Grosso, Amazonas e Acre. Criador do Serviço de Proteção ao Índio, que deu origem à Funai, guiou o ex-presidente americano Theodore Roosevelt em sua expedição pelo Amazonas. De 1927 a 1930, inspecionou a fronteira brasileira desde as Guianas à Argentina. Em 1938, promoveu a paz entre Colômbia e Peru. O Parque Indígena do Xingu e o antigo Museu Nacional do Índio foram ideias suas. Não por acaso, o Congresso Nacional deu o nome de Rondônia ao território do Guaporé e lhe concedeu a patente de marechal.
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