quarta-feira, 12 de agosto de 2020

A PANDEMIA COMO OPORTUNIDADE ELEITORAL

Fernando Exman, Valor Econômico
Será uma experiência única e, lamentavelmente, inesquecível para as atuais gerações. A eleição municipal foi adiada de outubro para novembro devido à pandemia e por esta será marcada.
As curvas de contaminação a serem observadas no fim do ano são uma incógnita, assim como os potenciais índices de abstenção. Mesmo assim, pré-candidatos já conjecturam como podem levar vantagem sobre adversários. Partidos definem suas estratégias. Traçam cenários de como o vírus pode influenciar não só a atual disputa, mas também a correlação de forças políticas para os próximos anos.
Foi neste clima que ocorreram as discussões sobre a conveniência de se adiar ou não as eleições. Num primeiro momento, muitos dirigentes partidários se posicionaram mais em defesa dos interesses de suas próprias legendas do que preocupados com a saúde dos eleitores. Gostariam, na verdade, de poder adiar para o ano que vem as eleições e que seus correligionários permanecessem no comando das prefeituras até o fim do estado de calamidade.
O plano fracassou. Integrantes das cúpulas do Judiciário e do Legislativo logo impuseram, como condição para que as discussões avançassem, que os mandatos dos atuais prefeitos, vices e vereadores não fossem estendidos. Temia-se a criação de um precedente perigoso, num ambiente radicalizado e com atores relevantes da cena política defendendo, sem pudor, o desrespeito à institucionalidade.
Esse risco extremo parece ter ficado para trás, mas não deve ser esquecido. Os números de infecções e mortes, por outro lado, fazem-se cada vez mais presentes no dia a dia do eleitor. Impedem que se esqueça a periculosidade do novo coronavírus.
São pouquíssimos os municípios que não registram casos de covid-19. Menos de 2% do total, segundo um dado recente do Ministério da Saúde, uma realidade que não deve ser desprezada na hora do voto.
No entanto, definido o novo calendário pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nada mais natural que partidos e parlamentares passassem a se debruçar sobre o tabuleiro. Por isso é de chamar a atenção um levantamento recente do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) sobre o número de pré-candidatos entre deputados federais e senadores.
De saída, segundo o documento, há 123 congressistas no páreo – 121 deputados e 2 senadores. A tendência é de uma diminuição desse total, mas hoje ele supera a média histórica de 94 candidaturas de parlamentares em eleições municipais.
Os dados da série do Diap começaram a ser coletados no pleito de 1992. Em 2016, 81 deputados e 2 senadores entraram na corrida municipal. Os números de 2012 somaram 87 deputados e 5 senadores. A eleição que eleva a média é a de 1996, quando 121 congressistas concorreram aos cargos de prefeito ou vice-prefeito – 117 deputados e 4 senadores.
Alguns fatores explicam esse aumento de interesse. O fim das coligações proporcionais, por exemplo, faz com que os partidos cogitem lançar “figurões” capazes de puxar votos em suas chapas. As capitais são as principais opções das pré-candidaturas dos parlamentares.
São Paulo e Rio de Janeiro são os Estados com o maior número de interessados, com respectivamente 15 e 14 nomes. Em seguida, aparecem Paraná, Minas Gerais e Bahia, com 9 pré-candidatos em cada uma dessas unidades da federação.
Neuriberg Dias do Rêgo, analista político do Diap, elenca outros aspectos. Existe também uma maior disponibilidade de recursos para os parlamentares custearem as campanhas, aponta: além do chamado fundão eleitoral, o fato de as emendas ao Orçamento terem se tornado impositivas mudou a dinâmica do jogo.
Elas viraram um ativo valiosíssimo em tempos de crise econômica e restrição fiscal. Armas poderosas para fazer política na ponta, movimentar a economia local e promover os próprios congressistas ou seus aliados.
Muitos dos pré-candidatos no Congresso tentarão aproveitar a polarização ou a onda que alçou ao poder policiais, religiosos e representantes da chamada nova política. Acreditam poder influenciar as disputas em bases eleitorais estratégicas para as eleições majoritárias de 2022 ou, no mínimo, terem mais facilidades para concorrer à reeleição. Entre os partidos, os destaques do levantamento do Diap são PT (14 pré-candidatos), PSL (12) e PSB (12).
Contudo, Neuriberg Dias do Rêgo diz acreditar que o número de pré-candidaturas tende a refluir para a média histórica nas próximas semanas. O levantamento será atualizado e, claro, concluído quando as candidaturas definitivas forem registradas no TSE, no fim de setembro.
Apesar da novidade para os eleitores de agora, esta não será a primeira vez que eleições ocorrem durante uma crise sanitária de tamanha magnitude.
A gripe espanhola, de 1918, também impactou as eleições daquele ano. Os registros da “Agência Senado” apontam, segundo discursos feitos à época, queixas sobre o baixo comparecimento dos eleitores. Uma das mais notórias vítimas da gripe espanhola no Brasil foi o próprio presidente eleito, Rodrigues Alves, que nem chegou a tomar posse. Uma outra eleição fora de época foi realizada.
Hoje, esta saída não está sobre a mesa. Mas parece inevitável que outra característica do pleito de novembro comece a ganhar peso: a falta de definição de um padrão nacional para as campanhas em meio à pandemia.
A intenção do Tribunal Superior Eleitoral é deixar que Estados e municípios definam como se darão os eventos de rua e os comícios, o que converge com a postura da Justiça de delegar para os entes subnacionais a regulamentação dos comportamentos de distanciamento social. Também pode fazer sentido, quando se pondera a extensão do território nacional e suas especificidades. Mas vem a ser tudo o que um governador ou um prefeito pode querer para eventualmente influenciar a campanha, limitando-a ou ampliando seu alcance, de acordo com seus objetivos políticos. A segurança dos eleitores pode ficar novamente em segundo plano.
Falta de regras para a campanha permite arbitrariedades
Será uma experiência única e, lamentavelmente, inesquecível para as atuais gerações. A eleição municipal foi adiada de outubro para novembro devido à pandemia e por esta será marcada.
As curvas de contaminação a serem observadas no fim do ano são uma incógnita, assim como os potenciais índices de abstenção. Mesmo assim, pré-candidatos já conjecturam como podem levar vantagem sobre adversários. Partidos definem suas estratégias. Traçam cenários de como o vírus pode influenciar não só a atual disputa, mas também a correlação de forças políticas para os próximos anos.
Foi neste clima que ocorreram as discussões sobre a conveniência de se adiar ou não as eleições. Num primeiro momento, muitos dirigentes partidários se posicionaram mais em defesa dos interesses de suas próprias legendas do que preocupados com a saúde dos eleitores. Gostariam, na verdade, de poder adiar para o ano que vem as eleições e que seus correligionários permanecessem no comando das prefeituras até o fim do estado de calamidade.
O plano fracassou. Integrantes das cúpulas do Judiciário e do Legislativo logo impuseram, como condição para que as discussões avançassem, que os mandatos dos atuais prefeitos, vices e vereadores não fossem estendidos. Temia-se a criação de um precedente perigoso, num ambiente radicalizado e com atores relevantes da cena política defendendo, sem pudor, o desrespeito à institucionalidade.
Esse risco extremo parece ter ficado para trás, mas não deve ser esquecido. Os números de infecções e mortes, por outro lado, fazem-se cada vez mais presentes no dia a dia do eleitor. Impedem que se esqueça a periculosidade do novo coronavírus.
São pouquíssimos os municípios que não registram casos de covid-19. Menos de 2% do total, segundo um dado recente do Ministério da Saúde, uma realidade que não deve ser desprezada na hora do voto.
No entanto, definido o novo calendário pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nada mais natural que partidos e parlamentares passassem a se debruçar sobre o tabuleiro. Por isso é de chamar a atenção um levantamento recente do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) sobre o número de pré-candidatos entre deputados federais e senadores.
De saída, segundo o documento, há 123 congressistas no páreo – 121 deputados e 2 senadores. A tendência é de uma diminuição desse total, mas hoje ele supera a média histórica de 94 candidaturas de parlamentares em eleições municipais.
Os dados da série do Diap começaram a ser coletados no pleito de 1992. Em 2016, 81 deputados e 2 senadores entraram na corrida municipal. Os números de 2012 somaram 87 deputados e 5 senadores. A eleição que eleva a média é a de 1996, quando 121 congressistas concorreram aos cargos de prefeito ou vice-prefeito – 117 deputados e 4 senadores.
Alguns fatores explicam esse aumento de interesse. O fim das coligações proporcionais, por exemplo, faz com que os partidos cogitem lançar “figurões” capazes de puxar votos em suas chapas. As capitais são as principais opções das pré-candidaturas dos parlamentares.
São Paulo e Rio de Janeiro são os Estados com o maior número de interessados, com respectivamente 15 e 14 nomes. Em seguida, aparecem Paraná, Minas Gerais e Bahia, com 9 pré-candidatos em cada uma dessas unidades da federação.
Neuriberg Dias do Rêgo, analista político do Diap, elenca outros aspectos. Existe também uma maior disponibilidade de recursos para os parlamentares custearem as campanhas, aponta: além do chamado fundão eleitoral, o fato de as emendas ao Orçamento terem se tornado impositivas mudou a dinâmica do jogo.
Elas viraram um ativo valiosíssimo em tempos de crise econômica e restrição fiscal. Armas poderosas para fazer política na ponta, movimentar a economia local e promover os próprios congressistas ou seus aliados.
Muitos dos pré-candidatos no Congresso tentarão aproveitar a polarização ou a onda que alçou ao poder policiais, religiosos e representantes da chamada nova política. Acreditam poder influenciar as disputas em bases eleitorais estratégicas para as eleições majoritárias de 2022 ou, no mínimo, terem mais facilidades para concorrer à reeleição. Entre os partidos, os destaques do levantamento do Diap são PT (14 pré-candidatos), PSL (12) e PSB (12).
Contudo, Neuriberg Dias do Rêgo diz acreditar que o número de pré-candidaturas tende a refluir para a média histórica nas próximas semanas. O levantamento será atualizado e, claro, concluído quando as candidaturas definitivas forem registradas no TSE, no fim de setembro.
Apesar da novidade para os eleitores de agora, esta não será a primeira vez que eleições ocorrem durante uma crise sanitária de tamanha magnitude.
A gripe espanhola, de 1918, também impactou as eleições daquele ano. Os registros da “Agência Senado” apontam, segundo discursos feitos à época, queixas sobre o baixo comparecimento dos eleitores. Uma das mais notórias vítimas da gripe espanhola no Brasil foi o próprio presidente eleito, Rodrigues Alves, que nem chegou a tomar posse. Uma outra eleição fora de época foi realizada.
Hoje, esta saída não está sobre a mesa. Mas parece inevitável que outra característica do pleito de novembro comece a ganhar peso: a falta de definição de um padrão nacional para as campanhas em meio à pandemia.
A intenção do Tribunal Superior Eleitoral é deixar que Estados e municípios definam como se darão os eventos de rua e os comícios, o que converge com a postura da Justiça de delegar para os entes subnacionais a regulamentação dos comportamentos de distanciamento social. Também pode fazer sentido, quando se pondera a extensão do território nacional e suas especificidades. Mas vem a ser tudo o que um governador ou um prefeito pode querer para eventualmente influenciar a campanha, limitando-a ou ampliando seu alcance, de acordo com seus objetivos políticos. A segurança dos eleitores pode ficar novamente em segundo plano.
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