Sob o nome genérico “reforma tributária”, discutem-se
atualmente quatro distintas propostas para reformar o caótico, regressivo e
injusto sistema tributário brasileiro. São elas:
1) A reforma da tributação do consumo configurada nas
Propostas de Emenda Constitucional (PECs) 45 (Câmara dos Deputados) e 110
(Senado), que criam um imposto sobre o valor agregado (IVA), denominado Imposto
sobre Bens e Serviços (IBS). O método é adotado por mais de 160 países. 2) A
criação de um IVA federal mediante a fusão e simplificação do PIS e da Cofins.
3) A proposta do Ministério da Economia para recriar um tributo nos moldes da
CPMF, associado à desoneração das contribuições sobre a folha de salários e ao
aumento do emprego. 4) E a proposta do Ministério da Economia para melhorar a
equidade do sistema tributário, reduzindo privilégios e aumentando a
progressividade do Imposto de Renda.
A mais relevante de todas é a primeira, por atacar a
principal fonte de ineficiências da economia. Prevê a unificação de cinco
tributos, três federais (IPI, PIS e Cofins), um estadual (ICMS) e um municipal
(ISS). Entre as suas principais características estão a alíquota única, a
proibição de seu uso como incentivo fiscal (eliminando a guerra fiscal), a
completa desoneração nas exportações e a devolução, em espécie, do IBS
incidente no consumo dos segmentos menos favorecidos. A PEC 45, a melhor,
baseia-se em projeto preparado pelo Centro de Cidadania Fiscal, sob liderança
do economista Bernard Appy.
A PEC 45 conta com o apoio inédito e unânime dos secretários
de Fazenda estaduais, convencidos das disfunções do ICMS. A questão federativa
em tentativas de reforma anteriores constituía ponto de veto. Assim, a proposta
tem viabilidade de aprovação, mesmo diante dos desafios políticos.
A PEC 45 e a fusão do PIS e da Cofins, têm forte oposição da
área de serviços, hoje subtributados pelo ISS, pois aumentarão a carga
tributária em segmentos como os de educação, saúde, lazer e turismo, consumidos
pelas classes de maior renda. Os pobres não costumam ter acesso a tais
serviços, o que agrava a regressividade da tributação do consumo no Brasil. A
coalização contrária à reforma é politicamente poderosa e tem contado com a
simpatia da imprensa. Isso poderá levar à solução de compromisso de admitir
duas alíquotas, uma para bens e outra, menor, para serviços. Há precedentes
mundiais de mais de uma alíquota em IVAs.
A segunda reforma é modesta em seus efeitos, mas tem
vantagens, principalmente a de engajar o governo federal no processo. O IVA
dual (governo central e governos subnacionais) existe em outros países, mas a
PEC 45 é melhor por ser mais ampla e completa. É provável que a proposta seja
incorporada nessa PEC.
A terceira reforma tem conhecidos defeitos, a saber: 1)
trata-se de tributo disfuncional, em cascata, o que provoca ineficiências e
reduz a competitividade dos produtos exportáveis. 2) Torná-la permanente é
muito perigoso. Tributos de fácil arrecadação costumam ter sua alíquota elevada
durante crises fiscais. 3) Pior do que a CPMF, a nova contribuição incidiria no
comércio eletrônico, penalizando transações mais eficientes do que as do
comércio físico. 4) Dificilmente haverá aumento de emprego. Como se sabe, na
prática o ônus das contribuições previdenciárias recai sobre o trabalhador.
Assim, nos casos em que a medida foi adotada, o efeito foi elevar a renda dos
empregados, não criar postos de trabalho. 5) A contribuição previdenciária do
trabalhador é a base para o cálculo das aposentadorias. Se a proposta incluir
sua eliminação, caberia às empresas informar os salários pagos. O potencial de
fraudes poderia elevar os gastos previdenciários.
A quarta reforma, fundada basicamente na equidade
tributária, buscaria eliminar privilégios que reduzem a progressividade do
Imposto de Renda, o qual, historicamente, desde que o mundo o conheceu, no
início do século 20, incorporou objetivos sociais. Seu propósito sempre foi o
de tributar proporcionalmente mais os segmentos mais ricos, promovendo
redistribuição da renda.
No Brasil, conforme demonstraram os economistas Marcos
Mendes, Marcos Lisboa e coautores, há incentivo à prestação de serviços
mediante a constituição de pessoas jurídicas em substituição ao regime regular
de pessoas físicas, a chamada “pejotização”. Com isso se transforma rendimento
do trabalho em rendimento do capital. Contribuintes de maior renda gozam do
privilégio de abater, na sua declaração anual de rendimentos, as despesas com
saúde e educação, o que reduz a progressividade. Os lucros são tributados na
pessoa jurídica, o que impede a progressividade na distribuição de dividendos a
pessoas físicas. O Ministério da Economia estaria cogitando de rever todas
essas distorções.
Caso seja aprovada a proposta mais relevante, a da PEC 45,
haverá elevação da produtividade e do potencial de crescimento da economia
brasileira. Cálculos recentes indicam que, em 15 anos, ela aumentaria o produto
interno bruto (PIB) potencial em 20%. Não é pouco.
SÓCIO DA TENDÊNCIAS CONSULTORIA, FOI MINISTRO DA FAZENDA
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