sábado, 15 de agosto de 2020

BOLSONARO TEM RAZÃO

Ascânio Seleme, O GLOBO
O presidente está certo. Não dá para impedir e não há nada de mau que as pessoas debatam questões. Ele foi muito claro ao dizer esta semana que “a ideia de furar o teto existe, o pessoal debate, qual o problema?”. Problema nenhum. É verdade também que a ideia de que a família Bolsonaro é corrupta também existe. O pessoal debate. Afinal, a casa usou dinheiro vivo e mal explicado para se dar bem. Ao que tudo indica, o dinheiro empregado na compra de imóveis e para pagar contas da família é público. Ou alguém acha que o dinheiro desviado em rachadinhas pertencia aos funcionários que tiveram parte dos salários surrupiada? Claro que não, eram quase todos fantasmas contratados apenas para viabilizar os desvio. Trata-se de dinheiro do contribuinte. Então o pessoal debate, qual o problema?
Foi um festival de gastos com dinheiro vivo que beneficiou Jair, seus filhos, sua mulher, suas ex-mulheres e seus netos. A turma toda tirou lasquinhas do Erário em benefício próprio. Michelle recebeu depósitos de Fabrício Queiroz. As “ex” Rogéria e Ana Cristina também se locupletaram. Ana comprou cinco imóveis com dinheiro vivo. Rogéria, mais modesta, comprou um apartamento em cash. Dois dos três zeros praticaram rachadinha, assim como o pai. Um deles, o zero mais velho, pagou mensalidades escolares dos netos do presidente com dinheiro arrecadado por Queiroz. Ele mesmo comprou uma loja de chocolates para lavar dinheiro. As pessoas estão discutindo isso por aqui. Qual o problema?
Ainda em 2018, soube-se que o então deputado Bolsonaro recebia auxílio moradia da Câmara mesmo tendo imóvel em Brasília. Questionado por um jornalista sobre a irregularidade, respondeu que usava o dinheiro “para comer gente”. O pessoal acha que Bolsonaro usou dinheiro público ilegalmente e de sobra mostrou como é muito mal-educado. Em junho do ano passado, o presidente foi obrigado judicialmente a pedir desculpas públicas à deputada Maria do Rosário, a quem ofendera em 2014 dizendo que não a estupraria por ela ser “muito feia”. E daí surge um outro debate, este sobre a grossura do presidente. Nenhum problema.
O pessoal debate também o espírito antidemocrático de Jair e seus filhos. O fato dele estar calado há um mês e meio é apenas uma cortina de fumaça para esconder a sua natureza profunda e absolutamente autoritária. Ninguém vai se esquecer que ele e seus meninos andaram de braços dados com a turma barra-pesada que falava em fechar Supremo e Congresso e promover uma intervenção militar. Ele entendeu que ficar calado e evitar expor seu lado fascista ajuda. Mas ninguém tem dúvida de que no seu íntimo ele queria mesmo era empastelar jornais, prender e dar porrada em adversários políticos. E até mandar fuzilar alguns privatistas, oras. O pessoal debate isso daí, qual o problema?
No caso do teto dos gastos, o pessoal sabe como pensa o presidente, nem precisa de debate. Ele é da turma do general Braga Netto, do ministro Rogério Marinho e dos ilustres deputados do centrão. Acha que dinheiro público tem que ser gasto, logo e muito. Bolsonaro reconheceu que “há uma briga, no bom sentido” por mais recursos dentro do governo. Poderia ter dito, tratar-se do grupo dele contra o de Paulo Guedes. Ele explicou como entende a questão. “Na PEC da guerra (contra a pandemia), nós já furamos o teto em mais ou menos R$ 700 bilhões, dá para furar mais R$ 20 bilhões?”. E deu a pista de como fazer para gastar acima do autorizado por lei. “Se for para vírus, não tem problema nenhum”. E acrescentou que se for para outra coisa, como água, é só alegar tratar-se da mesma finalidade.
Dez baruscos
A que ponto chegou a corrupção no Brasil. Os valores de desvios medidos há 20 anos chegavam à casa da dezena de milhões de reais. No mensalão petista alcançaram a centena de milhões. No Petrolão, um único homem, Pedro Barusco, cujo nome virou sinônimo de unidade de valor, desviou R$ 100 milhões e os devolveu quando apanhado com a mão na massa. No atacado, chegou-se à casa dos bilhões. Cálculos da Lava-Jato apontam desvios de R$ 6 bi no assalto à Petrobras. Agora, o doleiro Dario Messer, que nunca produziu nem criou nada, nem galinha, vai devolver aos cofres públicos R$ 1 bilhão. Um Messer vale dez Baruscos. Onde vamos parar?
Camaleão
O deputado Ricardo Barros, novo líder do governo na Câmara, é o exemplo mais acabado do que pode e até onde é capaz de ir um membro do centrão. Nunca, em tempo algum, Ricardo Barros trabalhou contra um governo, qualquer governo. Foi a favor e assumiu cargos de liderança com FH, Lula, Dilma e Temer. Agora está com Jair Bolsonaro. Não erra quem apostar que em 2022 estará com quem quer que seja eleito.
Elegante, Salim?
A frase da semana é do ex-secretário da Privatização, o empresário Salim Mattar. Numa entrevista ao GLOBO, quinta-feira, ele disse que Bolsonaro é “elegante, não se envolve e não fica aporrinhando ministro.” Que isso, Salim? Primeiro, Bolsonaro se mete tanto na vida dos ministros que vai derrubando os que não aceitam sua interferência. Casos de Moro e Mandetta, por exemplo. E, fala sério, pode-se chamar o presidente de tudo, menos de elegante.
Mundo da lua
Projeto da Amazon prevê lançamento de três mil satélites na órbita da Terra nos próximos dez anos. Será o que já está sendo chamado de uma constelação de satélites. Hoje, 2,6 mil desses equipamentos, privados e públicos, circulam ao redor do Globo. O projeto Kuiper, de Jeff Bezos, vai mais do que dobrar o tráfego orbital. Faltará espaço no céu para quem gosta de ficar olhando estrelas. Já aquela turma de Brasília que vive no mundo da Lua nem vai se dar conta.
Correção
A coluna da semana passada errou ao não dizer que Lula só estará apto para disputar a eleição de 2022 se o STF entender que também foi parcial o julgamento que resultou na sua condenação pelo sítio de Atibaia. Lula já perdeu em duas instâncias neste caso, o que o torna inelegível.
Ilusionista
O presidente disse, ao final da reunião de quarta-feira com os chefes da Câmara e do Senado e com ministros e líderes parlamentares, que “o Brasil tem como realmente ser um daqueles países que melhor vai reagir à questão da crise”. Mais uma frase para a galera que não se sustenta. Além dos mais de cem mil mortos, o custo da pandemia já chegou aos R$ 700 bilhões. O valor foi calculado pelo jornal “O Estado de S. Paulo” com base em estimativas de bancos e do próprio Ministério da Economia. Significa quase todo o tamanho dos ganhos a serem obtidos com a reforma da Previdência ao longo dos próximos dez anos. As outras reformas imprescindíveis para o crescimento, a administrativa e a tributária, não andam. E tem mais, o governo não zerou o deficit público e não fez as privatizações prometidas na campanha. Mais grave ainda é que, embora diga o contrário, sua excelência está buscando um dinheirinho extra para fazer mais despesas e pagar “bondades”, porque afinal a eleição está logo ali.
Ilusionista 2
O líder da turma da gastança que acha ser esta a melhor fórmula para se garantir a reeleição de Bolsonaro é o ministro Braga Netto. Embora seja reconhecido como bom administrador, não se sabe o que o general entende de economia?
Culpado errado
Paulo Guedes reclamou outro dia do que chamou de resistência do meio político em se engajar na agenda de reformas. Um ingrato, este ministro. Sem o total apoio do Congresso, Guedes jamais teria aprovado a reforma da Previdência. Deveria reclamar de Bolsonaro. As reformas não andam por culpa do governo.
Bobinho
Tem coisa que apenas criança faz para tentar esconder suas traquinices, uma vez que ainda não sabe medir consequências. Ao responsabilizar os governadores pelo número de mortes causadas pela Covid-19, Bolsonaro agiu como um menino. Se há um responsável pelo avanço descontrolado do coronavírus no Brasil, trata-se do próprio presidente, um negacionista de carteirinha. Quase todos os governadores seguiram o receituário da OMS. As medidas de distanciamento social não deram inteiramente certo em parte devido ao discurso da gripezinha.
Ninguém é poupado
Nas últimas duas semanas de julho, 97 mil crianças menores de dez anos foram diagnosticadas com a Covid-19 nos Estados Unidos de Donald Trump.
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