Salim Mattar e Paulo Uebel, membros até esta terça-feira
(11) da ala dita liberal daquele ajuntamento que toma Brasília, resolveram
deixar suas respectivas secretarias. E, então, se falou em crise do governo
Bolsonaro. Será mesmo? De qual governo?
Uma ilustração. Nesta quinta, já em campanha eleitoral, o
presidente foi ao Pará. Discursou: “[Mandei] a esse estado maravilhoso aqui,
mesmo sem comprovação científica, mais de 400 mil unidades de cloroquina para o
tratamento precoce da população. Eu sou a prova viva de que deu certo. Muitos
médicos defendem esse tratamento. E sabemos que mais de 100 mil pessoas
morreram no Brasil. Caso tivesse sido tratado (sic), lá atrás, com esse
medicamento, poderiam essas vidas terem (sic) sido evitadas (sic). E mais
ainda: aqueles que criticaram a hidroxicloroquina não apresentaram
alternativas”.
Emprega-se o advérbio latino “sic”, que significa, em
tradução adaptada, “assim mesmo, com exclamação!”, quando uma transcrição traz
erros, absurdos, disparates. Reparem que, em seu gramaticocídio homicida,
Bolsonaro tentou dizer “vidas poupadas”, mas saiu “vidas evitadas”. Na sua
fala, a diferença entre viver e morrer é um lapso.
A primeira tentação é recorrer à metáfora do hospício para
definir o que vai em Brasília. Seria um erro. Um ajuntamento de malucos não
deve ser coisa bonita de se ver, mas a fealdade, suponho, é algo compensada
pela inocência culposa. Fala-se aqui de atos dolosos.
Oportunismos distintos resolveram se combinar na certeza de
que dispunham de esperteza o suficiente para instrumentalizar o adversário
interno e impor a sua, vá lá, agenda. Amalgamaram-se, assim, o reacionarismo
delirante, o liberal-passadismo e o nacional-estatismo de uniforme.
Já volto ao ponto. Não sem antes, adaptando Eça de Queirós
aos fatos, retirar o manto diáfano da fantasia que cobre a nudez forte da
verdade. E a verdade é que o governo Bolsonaro, à diferença do que dizem por
aí, funciona e cumpre suas promessas.
A Amazônia arde, e os investidores fogem. A Cultura tem a
gramática do tal Mário Frias. A Educação está entregue a um defensor de
castigos físicos para infantes, depois de ter sido ocupada por um lunático e
por um analfabeto agressivo. O Itamaraty transformou a política externa na
cloaca do mundo.
Na Justiça, brilha um híbrido de Beria latino-americano com
pastor de periferia. Na Saúde, um general tenta esconder, com sua feição opaca
e seu corpanzil de burocrata do antigo Partido Comunista Búlgaro, a montanha de
quase 106 mil mortos.
Na coordenação política, outro general produz um ranking
sobre a Covid-19 que tenta transformar em vitória a omissão oficial, buscando
responsabilizar pela tragédia adversários políticos que, afinal, procuraram
seguir as orientações da ciência.
O saber técnico não tem importância na Esplanada em que
Damares Alves brilha como peça de resistência. O que havia de política social
no país foi para o ralo.
Portarias, com a qual condescendeu Sergio Moro, o extremista
de direita agora candidato a beato, armaram o país até os dentes. As Polícias
Militares nunca mataram tantos pretos e pobres, é claro! Como o vírus. O
governo Bolsonaro é, em suma, o que estava destinado a ser. O “Mito” foi eleito
para isso.
Então agora retomo o fio lá do primeiro parágrafo. Mattar e
Uebel, os “liberais”, resolveram cair fora. Paulo Guedes gritou, pedindo
socorro: “Debandada!” Os “Faria Limers” saíram em seu socorro.
E fica combinado, para pacificar também o tal jornalismo
econômico, que o teto de gastos será respeitado, que a agenda de reformas será
retomada, que até se vai privatizar alguma coisa. Não vai dar certo, mas
acalma.
É claro que liberais de verdade não tentam emprestar luzes a
reacionários com ou sem coturno. Nem em nome do mal menor.
“E os que lá restaram, Reinaldo?” Não são liberais nem os
que saíram nem os que ficaram. O liberalismo tem, sim, os seus pecados. Toda
vez, no entanto, em que um dito liberal estiver servindo ao obscurantismo em
nome das luzes, desconfie. Trata-se apenas de um obscurantista com uma lanterna
na mão.
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