Que a relação do presidente Jair
Bolsonaro e seus filhos com armas, munições, milicianos, policiais
e militares é um tanto complexa, todo mundo sabe. Mas nunca ficou claro quais
são seus reais planos para as polícias estaduais e é exatamente por isso que o
ministro da Justiça, André Mendonça, deve explicações ao Judiciário, ao
Legislativo e à sociedade brasileira para dossiês contra “antifascistas”, ou
antibolsonaristas. O principal alvo desses dossiês são… policiais.
De um lado, prospera a suspeita de infiltração bolsonarista
nas polícias, aumentando a influência do presidente e reduzindo a dos
governadores. De outro, surgem esses dossiês sobre policiais que se opõem a
Bolsonaro e à ingerência de cima. Quem faz dossiê contra adversários e críticos
é porque pretende usá-lo para perseguição ou chantagem, como uma extensão do
“gabinete do ódio” do Planalto. Coisa de ditaduras, não de democracias.
Não bastasse o Ministério da Justiça, também o Ministério
Público do Rio Grande do Norte produz dossiês de policiais, com fotos, dados,
manifestações e posts nas redes, produzindo um banco de dados de quem está
“conosco”, quem está “contra nós”. Sabe-se lá em quantos outros Estados a
produção de dossiês está virando moda. Se fossem sobre fascistas, até daria
para entender, mas são contra “antifascistas”. Ser contra antifascista é ser o
quê?
Quando se trata de polícia, instituição fardada e armada,
isso se torna particularmente intrigante – ou preocupante. No contexto
brasileiro, mais ainda. Na política há três décadas, o presidente da República
jamais se preocupou com Economia, Educação, Saúde, Meio Ambiente ou mesmo
estratégia de Defesa, geopolítica. Seus mandatos foram consumidos na defesa de
aumentos salariais para policiais e militares. Por trás disso, eleição, eleição,
eleição.
Hoje presidente, Bolsonaro não se dedica só a garantir votos
nos setores armados, mas a articular algo mais complexo, que não está claro.
Não bastam os votos de policiais, é preciso manipulá-los, dominá-los? Com que
objetivo? Nessa direção, Bolsonaro só sancionou a lei que proíbe reajustes
salariais de servidores públicos, por causa da pandemia, após o aumento dos
policiais da capital da República – os mais bem remunerados do País.
E as investidas nas polícias não são isoladas, vêm junto com
projetos para ampliar porte e posses de armas, a derrubada de três portarias do
Exército sobre monitoramento de armas de civis, a disparada de munições. E,
enquanto prestigiava solenidades militares, o presidente ia cooptando as
polícias. Sem falar nas ligações dos Bolsonaros com milicianos no Rio…
Desde o motim de PMs no Ceará, em fevereiro, os governadores
suspeitam de infiltração bolsonarista nas polícias. Naquele motim, Bolsonaro
não deu uma palavra de repúdio, determinou envio da Força Nacional a contragosto
e só prorrogou a operação depois que governadores de São Paulo, Rio, Pernambuco
e Bahia, pelo menos, se articularam para emprestar tropas e equipamentos para o
governador Camilo Santana (PT).
Os amotinados saíram fortalecidos e um dos mais destacados
agitadores do movimento, Capitão Wagner (PROS), é candidato a prefeito de
Fortaleza, parte da tropa bolsonarista nas eleições municipais. Terá ou não o
apoio, declarado ou por baixo dos panos, do presidente, que vai tragando para a
política cabos, sargentos, capitães, majores, coronéis e até generais?
Evasivo, o governador João Doria diz que “no caso de São
Paulo, não há infiltração bolsonarista nas polícias, que são muito
profissionalizadas”. E no resto do País? “O risco existe e por isso exige a
atenção dos governos, dos Poderes e da opinião pública”, admite. Dá para
acrescentar: antes que seja tarde.
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