quinta-feira, 13 de agosto de 2020

UM TÉCNICO PRESTIGIADO

Maria Cristina Fernandes, Valor Econômico
Às 8h45 desta quarta-feira o presidente Jair Bolsonaro fez um textão no Facebook. Reiterou compromisso com privatizações, justificou as dificuldades em viabilizá-las, reafirmou o “norte” da responsabilidade fiscal e do teto de gastos e disse ver com naturalidade a saída de colaboradores.
Agiu como o presidente do clube que sai a público, 15 minutos antes do início do jogo, para dizer que o técnico está prestigiado. A torcida captou. Dólar e juro abriram em queda, mas sem debandada. Estava claro, porém, que se protelara uma situação insustentável. O desfecho tarda porque, além de o técnico resistir a sair, não há substituto à mão.
Na véspera, Paulo Guedes, depois de se reunir com Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, Casa que abriga 52 pedidos de impeachment contra Bolsonaro, espicaçou. Disse que os “conselheiros” do presidente, ao lhe sugerirem “pular a cerca e furar o teto”, facilitariam a abreviação de seu mandato.
O ministro da Economia, que acabara de receber os pedidos de demissão dos secretários Salim Mattar (Desestatização e Privatização) e Paulo Uebel (Desburocratização, Gestão e Governo Digital), parecia estar fazendo uma ameaça velada ao presidente. Se o objetivo da gastança é a reeleição, o mandato pode acabar antes da chance de ser renovado. Foi o que disse.
Agiu como se acreditasse que o presidente só tivesse o mercado, do qual fala como fiador, a sustentá-lo. Parte do pressuposto de que Bolsonaro já perdeu a classe média e está a caminho de também ficar desprovido do apoio dos mais pobres com o fim do auxílio emergencial de R$ 600. O ministro valeu-se da saída de Mattar e Uebel para tentar enquadrar o presidente. Mostrou-se um “trader” que além de ganhar a parada tem que se exibir como vitorioso.
E, de fato, a oposição do presidente da Câmara à prorrogação da calamidade pública e o alerta do TCU em relação às pedaladas dos créditos extraordinários levaram o governo a recuar da intenção de alocar R$ 35 bilhões nas mãos dos ministros “obreiros”, Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e Tarcísio Freitas (Infraestrutura).
Sem a calamidade, voltarão a valer a responsabilidade fiscal e a regra de ouro, normas que seriam descumpridas pela alocação que acabou reduzida para R$ 4 bilhões. O desfecho foi vitória de Guedes que, insatisfeito, quis também espicaçar com a ameaça de impeachment.
O comportamento do ministro da Economia o isolou no governo. No início da semana o presidente foi testemunha de uma pesada troca de acusações entre Guedes e Marinho. Sem a calamidade pública, o governo terá que encontrar espaço para criar o Renda Brasil e permitir que as estatais voltem a investir dentro do orçamento. Missão que embaralha até o mais agressivo dos “traders”.
Ao negar apoio à extensão da calamidade, Maia parece atuar pelo reequilíbrio de forças no governo pró-Guedes. Só que não. Sem o “orçamento de guerra”, Bolsonaro terá dificuldade de manter seus novos aliados do Centrão. A cena do final do dia, quando voltou a reiterar compromisso fiscal ao lado de ministros e parlamentares, vai ficar como um retrato na parede.
A pretexto de cumprir sua cartilha liberal, Maia embaralhou a articulação política de Bolsonaro e dificultou seu jogo na eleição para a mesa da Câmara. Fez de Guedes o ministro vitorioso de um governo em chamas.
Num uniforme de bombeiro que não lhe cai bem, Guedes foi incapaz de evitar que o fogo cruzado ultrapassasse as fronteiras do Palácio. Nas entrevistas que deu ao longo do dia, Mattar não apenas disse que as estatais eram foco de corrupção, como expôs a ferida da Casa da Moeda.
Poucos fracassos no programa de privatizações são tão representativos. A venda da Casa da Moeda foi incluída numa medida que o Congresso deixou caducar para a grande satisfação do presidente do PTB, Roberto Jefferson, hoje um dos mais ferrenhos aliados de Bolsonaro e rei da Casa da Moeda desde o Mensalão, que o condenou na justiça, até hoje.
Além de perder sucessivos colaboradores – desde o início do governo, além de Mattar e Uebel, saíram Marcos Cintra (Receita Federal) Mansueto de Almeida (Secretaria do Tesouro), Caio Megale (Diretoria de Programas da Secretaria Especial da Fazenda), Marcos Troyjo (Secretaria de Assuntos Internacionais) e Rubem Novaes (Banco do Brasil) – Guedes não ampliou as alianças na Esplanada.
O ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, por exemplo, mais preocupado em fomentar a guerra entre Bolsonaro e a imprensa, não tem tido participação nas conversas para fazer caber o Renda Brasil no Orçamento de 2021.
Guedes tampouco conta com os ministros militares do Palácio, hoje aliançados com Marinho e Freitas, em torno de propostas onde se enxergam não apenas uma via para a reeleição como também a manutenção das estatais e dos projetos do Ministério da Defesa.
Neste bloco não se encontra o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno Ribeiro, cujas diferenças com seus colegas ficaram claras na reportagem de Mônica Gugliano na “Piauí”. Entusiasta de primeira hora da campanha bolsonarista, o general se fiava na dupla Sergio Moro/Paulo Guedes para fazer crer que se tratava de um governo liberal de combate à corrupção.
Hoje o ministro vê seus colegas generais aliançados com os personagens que inspiraram sua composição “Se gritar pega Centrão, não fica um meu irmão” e não se anima a cerrar fileiras na guerra contra Guedes. Trata-se, porém, menos de entusiasmo com o Pró-Brasil do que de uma adesão de peso à causa do ministro da Economia.
Numa tentativa de romper esse isolamento, Guedes buscou ontem, junto ao Tribunal de Contas da União, soluções para conseguir abrigar tanto o Renda Brasil quanto os investimentos das estatais sob o teto de gastos.
Tenta recompor a unidade do governo. A esta altura, porém, ecoa Filipão ao final do primeiro tempo do jogo contra a Alemanha na Copa de 2014. Para o segundo tempo, o Congresso se mobiliza pelas reformas tributária e administrativa. Ambas, a pretexto de convergir com o ministro Paulo Guedes, aumentam a cizânia no setor privado e entre servidores e militares. Trazem, no entanto, a oportunidade de o Congresso posar como reformista frente a um governo que não se entende. Foi-se o tempo, porém, que o 7×1 era a lembrança mais amarga. A derrota, com muito mais dígitos, hoje se conta em vidas.
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