Jair Bolsonaro, no dia 28 de maio, amanheceu querendo dar
ordens ao Supremo Tribunal Federal. Foi quando ele berrou na porta do Alvorada
aquele ultrajante “acabou, porra”. O que o irritara era a decisão do ministro
Alexandre de Moraes de expedir mandados de busca em endereços de empresários e
blogueiros amigos do governo, investigados pela suspeita de ameaçar ministros
do STF, disseminar fake news e financiar crimes digitais. “As coisas têm um
limite. Não dá para admitir mais atitudes de certas pessoas”, disse o
presidente. Era uma ameaça ao Judiciário e, portanto, à democracia. Mas Dias
Toffoli não viu.
“De todo o relacionamento que tive com o presidente Jair
Bolsonaro e com seus ministros de Estado, nunca vi da parte dele nenhuma
atitude contra a democracia”, disse Dias Toffoli. O ataque descrito acima fora
contra o inquérito que o próprio Toffoli abrira. Um dos seus filhos, o deputado
Eduardo Bolsonaro, postou que era preciso uma “atitude enérgica” do presidente,
acrescentando que não era uma questão de “se” mas “quando” ocorreria uma
ruptura. O presidente continuou: “Repito, não teremos outro dia igual a ontem.
Chega. Chegamos ao limite. Estou com as armas da democracia nas mãos”. Era uma
ameaça, mais uma, mas Dias Toffoli não viu.
Bolsonaro atacou a imprensa de todas as formas, como naquele
23 de agosto em que diante da pergunta de um repórter deste jornal disse que
queria “encher sua boca de porrada”. Era o valentão, cercado de seguranças e de
imunidades presidenciais, fazendo ameaças físicas a um profissional no
exercício da profissão. Não foi o primeiro ataque. Ele escolheu alguns
jornalistas para ofender, injuriar e caluniar. Ameaçou também órgãos de
imprensa que não o bajulam. Editou uma MP dizendo que o objetivo dela era
prejudicar o jornal “Valor”. De variadas formas ele ameaçou a liberdade de
expressão, um dos pilares da democracia. Isso também Toffoli não viu.
O presidente participou de passeatas antidemocráticas.
Muitas. Foram domingos consecutivos em que, aproveitando-se do distanciamento
social que mantinha em casa tantos brasileiros, convocou seus apoiadores. Eles
foram com faixas pedindo o fechamento do Congresso, do Supremo e uma
intervenção militar “com Bolsonaro e AI-5”. Numa delas foi para a frente da
sede do Exército em Brasília e discursou aos brados para a multidão:
“Acabou a patifaria. Não queremos negociar nada, agora é o
povo no poder”. Disse que as Forças Armadas estavam com eles. Em outro domingo,
sobrevoou a multidão num helicóptero da Força Aérea com o ministro da Defesa a
bordo. Usar as Forças Armadas para intimidar é subversão da ordem democrática.
Todas aquelas manifestações foram um ataque explícito à democracia. Nem isso,
contudo, o ministro Dias Toffoli viu.
O presidente fez ameaças em postagens e em declarações ao
ministro Celso de Mello, disse que não respeitaria ordem judicial e publicou
numa de suas redes que a decisão do ministro de divulgar o vídeo da reunião
ministerial poderia ser enquadrada como abuso de autoridade passível de prisão.
O ministro fez bem ao divulgar o vídeo porque nessa reunião claramente se
conspirou contra as instituições. Integrantes do governo pediram prisão de
ministros do Supremo, o presidente disse que era preciso armar a população para
resistir às ordens dos governadores, e citou o artigo 142 da Constituição que,
segundo interpretação canhestra que endossava, permitiria a intervenção
militar. O presidente postou um vídeo repulsivo em que ele é um leão atacado
por hienas e uma delas era o STF. O decano Celso de Mello reagiu. Soltou uma
nota dizendo que “o atrevimento presidencial parece não encontrar limites” e
lembrou que o presidente desconhecia o princípio da separação dos poderes.
Ainda bem que tivemos os olhos de Celso de Mello, porque Dias Toffoli nada viu.
Houve nestes um ano e oito meses homenagens a ditadores,
como Stroessner e Pinochet, que nos constrangeram no exterior, exaltação da
ditadura, endosso a textos apócrifos claramente golpistas, disseminação de fake
news. Bolsonaro colocou em dúvida o processo eleitoral brasileiro, dizendo que
houve fraude na última eleição sem apresentar qualquer prova. Nada disso o
presidente do STF viu. E tudo era tão visível.
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