quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

CONTAMINANDO EDUARDO PAES

Ascânio Seleme, O GLOBO

Reza o manual das boas maneiras políticas que se devem dar pelo menos cem dias antes de criticar mais duramente um governante recém-eleito. Até mesmo o bispo Marcelo Crivella mereceu essa deferência quando iniciou seu ruinoso mandato como prefeito do Rio há quatro anos. Eduardo Paes recebeu a mesma benevolência ao assumir pela primeira vez a prefeitura. Talvez merecesse igual cuidado agora, apesar de ser um gato já bem escaldado. Mas não. Desta vez não dá para esperar o fim da “lua de mel”.

Primeiro. Como pode um prefeito que vem do campo democrático correr, antes mesmo de tomar posse, para o colo do presidente Jair Bolsonaro? Claro que Paes sabia muito bem que estava tratando com um homem perigoso, instável, que gera permanente risco para as instituições. Um presidente que apenas continua na cadeira porque os líderes que temos no Congresso são os que já vimos e sobre os quais já falamos. O presidente a que Paes se alinhou cometeu mais de uma dúzia de crimes de responsabilidade.

O prefeito vai dizer, e já disse antes, que precisa governar e fazer entendimentos em favor do Rio, do povo do Rio. Claro, mas para isto existem os canais tradicionais. Entendimentos se fazem pelos diversos mecanismos de interlocução entre os municípios e a União. Pelos secretários com ministros, por entidades municipais e federais, com os instrumentos que permeiam as diversas camadas de poder, formando pontes entre as instâncias. O prefeito não precisava pedir a bênção do presidente. Não precisava, não devia e de nada adiantará o gesto prematuro.

Se puxar o saco do presidente adiantasse, o abilolado bispo Crivella teria feito uma boa gestão, com dois anos cheio de dinheiro e projetos. E, se não fosse reeleito diante da “bonança”, pelo menos não deixaria um rombo de R$ 10 bilhões. Correr para o colo de Bolsonaro não foi apenas um tiro n’água. Foi um tremendo erro de cálculo político de Paes. Na terça passada, Bolsonaro disse que “o Brasil está quebrado” e que não pode fazer mais nada. A frase poderia ser lida assim: “Não adianta ninguém vir aqui me bajular, porque não tem dinheiro”.

Ainda durante a campanha, o então candidato afirmou, numa reunião virtual com dirigentes da Associação Comercial do Rio, que aqueles que o consideravam um bom gestor veriam que ele é “melhor ainda na articulação política”. Segundo reportagem do “Valor Econômico” do dia 5 de novembro do ano passado, ele destacou que o encontro se devia a sua “astúcia política”. Pois o astuto Eduardo Paes não esperou a posse para colar sua imagem na do homem que pisa sobre as instituições democráticas, despreza a vida humana e debocha da tortura.

Ao sair do encontro de uma hora com Bolsonaro, no dia 15 de dezembro, Paes disse que a “conversa foi muito agradável” e afirmou que seria um parceiro do presidente no Rio. Aproveitou e bancou seu porta-voz, anunciando uma MP que liberaria (?) R$ 20 bilhões para a compra de vacinas. E disse que o Rio queria ser a “vanguarda” da vacinação. Bobagem. Depois da posse, avisou que não fará nada e seguirá o plano de Bolsonaro. Quer dizer, o Rio não será vanguarda de coisa nenhuma, ao contrário.

É grave, mas tem mais. Na segunda-feira, num movimento típico do negacionismo bolsonarista, a prefeitura anunciou que vai fechar para carros as pistas da orla nos fins de semana. Para explicar a medida que nenhum infectologista entendeu, garantiu que ela foi “respaldada” pela Secretaria municipal de Saúde. Sim, e daí? Em seguida, inventou que a proibição de lazer na orla levou as pessoas a se aglomerarem nos calçadões. E fez gracinha, ao dizer que tem ainda de levar em conta “questões ligadas à saúde mental” das pessoas.

Embora seja tão letal quanto o coronavírus, o bolsonarismo é eliminado sem vacina. Basta um pouco de bom senso e um passo atrás. Mas tem que ser rápido, se não a doença entranha e gruda. Paes ainda pode ser descontaminado.

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