Apenas algum espírito alienado se recusaria a admitir que o País está em crise. A mais profunda da História. Algo inimaginável no final de 2019 ou nos primeiros dias do ano passado.
Há cerca de doze meses fomos invadidos por exército composto por número incalculável de coronavírus que, sem disparar uma única rajada de balas, já matou mais de 200 mil brasileiros e mandou para hospitais cerca de 7,7 milhões. De imediato os infectologistas se deram conta de que estávamos diante de algo desconhecido, mas que poderia se converter em catástrofe universal.
As previsões mais sombrias foram confirmadas pelos fatos. Como ocorreu em países de maior ou menor nível de desenvolvimento, o Brasil, a partir do mês de março, viu a economia entrar em colapso com a paralisação total ou parcial de indústrias, estabelecimentos comerciais e dos meios de transporte, da aviação aos serviços de taxi.
O clima de perplexidade e medo se espalhou com espantosa rapidez. Escritórios se esvaziaram, os poderes Legislativo e Judiciário reduziram as atividades. Quando possível o trabalho passou a ser executado em casa, pois as pessoas de bom senso procuravam o isolamento social como recurso contra o Covid-19.
Dentro do cenário de terror apenas alguns assumiram atitudes negativistas e desafiadoras. Entre eles se salientou o presidente Jair Bolsonaro. Não vamos em busca de provas para o que acabo de afirmar. Basta rememorar a publicidade da cloroquina, o tratamento dado ao Ministério da Saúde, a insistente rejeição à máscara, os contatos pessoais com admiradores em bares e na saída do Palácio da Alvorada, as demonstrações imaturas de machismo, a repulsa às críticas, as tentativas de calar a imprensa, o jogo de futebol em Santos, o exibicionista mergulho nas ondas da Praia Grande.
Como presidente da República, Jair Bolsonaro obstinou-se na politização da pandemia. Ao invés de trabalhar pela unidade nacional contra o coronavírus, S. Exa. fomentou a discórdia. Enquanto outros chefes de Estado aconselhavam a população a evitar aglomerações, a se manter em regime de isolamento social, a fazer uso da máscara, o presidente dava exemplos de indiferença diante do número de mortos e infectados. Para ele o flagelo da humanidade não passa de gripezinha e os enfermos são apontados como maricas.
A Constituição determina que “a eleição do Presidente da República importará a do Vice-Presidente com ele registrado” (Art. 77, § 1º). Prescreve, também, que “Substituirá o Presidente, no caso de impedimento, e suceder-lhe-á, no de vaga, o Vice-Presidente” (Art. 79).
Vice-Presidente não é cargo decorativo. Existe para ter utilidade. O Presidente Jair Bolsonaro deixa claro não ter qualidades para o exercício das funções de que se encontra investido. Foi eleito por acidente. Age como deputado do baixo clero ou impulsivo capitão paraquedista, que não conseguiu ser promovido a major. Saiu antes ou foi defenestrado.
O Congresso Nacional deve exercer o papel que lhe reserva a Constituição. Não proponho que seja violada. Defendo a adoção de medida constitucional profilática, destinada a conter a sucessão de desatinos que afetam a segurança do País e caracterizam falta de probidade na administração (Art. 85, V e VI).
Como manda a Lei Fundamental, decretado o impedimento assumirá o Vice-Presidente Hamilton Mourão, general da reserva do Exército, cuja presença no cenário político nacional desperta a confiança no povo pela sobriedade com que se tem conduzido. Não haverá golpe, revolução, derramamento de sangue, mas sucessão pacífica, levada a efeito de conformidade com as normas constitucionais
O governo não precisa de ferrabrás que se faz fotografar com fuzil de guerra e dorme com pistola automática ao alcance da mão. Necessita de alguém decente e apto a exercer liderança com os olhos nos interesses coletivos, de respeitar e de se fazer respeitado, que não se deixe influenciar pela família, que oriente a política externa com pragmatismo e inteligência, que reconheça as limitações pessoais e se disponha a ouvir especialistas em infectologia.
Se nada for feito e o Povo permanecer à mercê da instabilidade do presidente Jair Bolsonaro, não teremos vacinas e seringas a tempo. Chegaremos ao final do ano com 400 mil mortos e 15 milhões de infectados.
Cumpra-se a Constituição e dois problemas estarão resolvidos: o da governabilidade e o da sucessão. Bastará presidir o Brasil com habilidade e prudência e o vice-presidente Hamilton Mourão será forte candidato em 2022.
Em tempo: se o País está quebrado e o presidente se considera incapaz de fazer alguma coisa, deve renunciar.
— Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi ministro do Trabalho. Ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho
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