As análises sobre o arranjo institucional brasileiro sofreram várias inflexões nas últimas décadas. Embora tenha dinâmica própria, elas acompanharam o debate público mais amplo e refletiram a conjuntura.
A primeira década da democracia foi marcada por uma frustração coletiva avassaladora. O país viu a hiperinflação, planos macroeconômicos fracassados, e um impeachment presidencial.
O diagnóstico era de que o país institucional era ingovernável devido à combinação de presidencialismo, multipartidarismo, federalismo robusto, e partidos fracos. A debilidade do sistema partidário seria produto da adoção da representação proporcional com lista aberta e pela ação desorganizadora dos interesses regionais/locais.
O dilema seria, portanto, que presidentes sem sustentação parlamentar eram incapazes de aprovar a agenda do Executivo. A era FHC, no entanto, pôs em xeque o diagnóstico, e a agenda de pesquisas mudou. Os poderes do presidente —como as medidas provisórias, iniciativa exclusiva ou controle da agenda congressual— foram vistos como facilitadores da aprovação de agendas. O Congresso não se revelou obstáculo à agenda do executivo.
Mas as pesquisas passaram a mostrar que o gerenciamento das coalizões é variável chave: a governabilidade depende do compartilhamento do poder com os membros das coalizões, cada vez mais necessária dada a fragmentação partidária crescente. E que o equilíbrio que permite que esta solução não degenere em abuso de poder e corrupção é instável. Elas mostraram também que o judiciário e instituições de controle lato sensu —que se beneficiaram de robusta delegação de poderes e gradativo e inédito fortalecimento organizacional— são cruciais.
O equilíbrio institucional se desfez, dando margem a duas interpretações rivais: 1) a crise teve (tem) raízes institucionais —o presidencialismo multipartidário gera incentivos perversos, corrupção e ingovernabilidade; e 2) a crise resultou das escolhas dos atores políticos em meio a uma tempestade perfeita (exposição avassaladora de corrupção com crise econômica) e ao fortalecimento das instituições de controle lato sensu, alterando a dinâmica do jogo.
O debate que se seguiu sofreu nova inflexão: o desenho institucional deixa de ter centralidade, o foco é a democracia. É o presidente —com suas preferências e escolhas— que é o centro do debate, e não a presidência como instituição.
Se o debate nos anos 1990 centrava-se no Executivo, agora ele se desloca para o Judiciário como fonte de governabilidade, embora o foco muitas vezes é nos juízes e suas escolhas, e não na instituição, que passa por teste de estresse inédito.
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