Quando se trata de abuso de poderes, a disputa entre Jair Bolsonaro e Donald Trump é um páreo duro.
O brasileiro tem usado decretos para, à revelia do Congresso, descaracterizar legislações consolidadas, como a ambiental e a de controle de armas, além de ter sido acusado por um ex-ministro de tentar interferir em órgãos de Estado para favorecer a família.
Já o norte-americano chegou a sofrer impeachment na Câmara por ter usado o cargo em benefício próprio. O processo de destituição só não avançou porque os republicanos têm maioria no Senado.
Se, porém, restringirmos a disputa ao âmbito mais restrito do abuso do poder de graça, Donald Trump desponta como claro campeão.
A maioria das constituições contemporâneas dá aos chefes de Estado a prerrogativa de perdoar criminosos ou comutar-lhes penas, individual ou coletivamente.
É o instituto da indulgência penal, que combina uma herança do poder de vida e morte de que gozavam os monarcas absolutistas com uma engrenagem do sistema de freios e contrapesos que permite a autoridades políticas moderar eventuais excessos do Judiciário.
O problema é que alguns se comportam mais como monarcas. Dos 65 perdões que Trump concedeu nas últimas semanas, 60 foram para pessoas com quem tem conexões pessoais, incluindo os ex-assessores Michael Flynn e Paul Manafort, que foram condenados por mentir para ajudá-lo, e Charles Kushner, o pai de seu genro.
Na comparação, o indulto de Natal concedido por Jair Bolsonaro a agentes de segurança pública condenados por crimes culposos, praticamente uma reedição do decreto do ano passado, parece exemplo de moderação e impessoalidade.
O mandatário brasileiro, embora agindo mais em conformidade com seus impulsos de sindicalista das polícias do que com uma ideia articulável de interesse público, preferiu beneficiar categorias em vez de escolher diretamente amigos.
É verdade que as situações dos dois presidentes são diferentes. Trump está a poucos dias de dar adeus à Casa Branca e parece ter perdido todos os escrúpulos. Bolsonaro ainda tem dois anos de mandato pela frente e esperanças de reeleger-se, o que o impede de agir de modo por demais despudorado.
Há também diferenças impostas pelos sistemas. A Constituição dos EUA deixa em aberto a extensão do poder do presidente de conceder perdões; a legislação brasileira o limita consideravelmente —o que hoje decerto vem a calhar.
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