O presidente Jair Bolsonaro parece ter “jogado a toalha” ao se referir às dificuldades econômicas que o Brasil tem enfrentado e afirmar, de forma peremptória: “o Brasil está quebrado… Eu não consigo fazer nada”.
Discursos de vitimização, de impotência governativa ou de transferência de responsabilidade para outros Poderes sob o argumento de que o governo estaria impedido de governar não são novidade em regimes democráticos e muito menos em sistemas presidencialistas multipartidários, como o brasileiro.
Um exemplo extremo é o do ex-presidente Getúlio Vargas que, em carta-testamento, invocou “as forças e os interesses contra o povo” para justificar seu suicídio em meio a uma grave crise política de seu governo minoritário, agravada após o atentado perpetrado contra o principal líder da oposição, o jornalista Carlos Lacerda.
De forma similar, em sua carta de renúncia à Presidência, o ex-presidente Jânio Quadros argumentou que estaria sendo impedido de governar por “forças ocultas”. Ele desprezou as regras do jogo político, não negociou com os partidos e tentou governar apesar do Legislativo. O descaso de Jânio com o Congresso Nacional era patente.
O ex-presidente José Sarney também reclamou veementemente da suposta dificuldade de se governar o Brasil ao afirmar que “a Constituição de 1988 tornou o País ingovernável”. Chegou a aconselhar o então presidente eleito Fernando Collor que “não se governa sem apoio político”. “Nós tentamos tudo, experimentamos de tudo. O que faltou foi apoio político. O problema do País não é econômico, é político”, vaticinou Sarney.
Parece que o ex-presidente Collor não deu ouvidos aos conselhos de seu antecessor. Recentemente reconheceu que o principal equívoco de seu governo “foi não ter construído uma base parlamentar de apoio que concedesse a solidariedade do Congresso ao presidente da República em um momento de necessidade”. Para Collor, “governo sem base sólida não dura”, pois considera que “o presidencialismo de coalizão traz no seu bojo a incerteza e o vírus da ingovernabilidade”.
O que há de comum em todos esses reclamos de presidentes em relação ao sistema político brasileiro?
Todos esses presidentes escolheram governar na condição de minoria ou tiveram grande dificuldade de construir e de gerenciar de forma sustentável coalizões majoritárias.
Não entenderam que no presidencialismo multipartidário o presidente é o agente central, uma espécie de CEO do jogo político. Suas escolhas acarretam consequências, a despeito das instituições. Não existe “piloto automático” para se alcançar a governabilidade. As decisões e estilo de gerência do presidente são essenciais. Sem esse CEO coordenando os partidos de sua coalizão, as maiorias legislativas, quando formadas, tornam-se instáveis e imprevisíveis, fazendo com que os custos de governabilidade aumentem ou mesmo se tornem proibitivos.
No sistema multipartidário, presidentes necessitam tomar pelo menos quatro decisões na montagem e sustentação de coalizões: 1) número de partidos que farão parte da coalizão; 2) perfil ideológico dos aliados; 3) poder e recursos compartilhados entre os parceiros; e 4) proximidade entre a preferência da coalizão e a mediana do Congresso.
A escolha do presidente por montar coalizões com muitos partidos, ideologicamente heterogêneas, que não contemplam a distribuição proporcional de poder e recursos e que são distantes da preferência do Congresso tendem a gerar menor sucesso legislativo e a ser mais caras ao longo do tempo.
Portanto, quando Bolsonaro choraminga argumentado que “não consegue fazer nada” revela, na realidade, que não sabe governar.
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