Inaugurando 2021, o chanceler Ernesto Araujo divulgou no Twitter sua mensagem de Ano-Novo. Trata-se do palavroso artigo “Por um reset conservador liberal”, publicado no blog onde costuma expor sua míope e bizarra visão dos problemas mundiais. Para o ministro, no ano que passou teria ficado clara a gigantesca trama de interesses contra a liberdade e a dignidade humanas.
Os agentes da urdidura seriam —vale a pena transcrever— “a grande mídia; o narcosocialismo, a corrupção; a bandidagem em geral (crime organizado); o sistema intelectual politicamente correto; o climatismo (uso da questão climática como instrumento de controle econômico); o racialismo (programa de organização da sociedade segundo o princípio da raça); o covidismo (a histeria biopolítica e sua utilização como mecanismo de controle); o terrorismo; o multilateralismo antinacional (distorção e manipulação do sistema multilateral composto pelos organismos internacionais); a ideologia de gênero; o abortismo; o trans-humanismo [sic]; o anticristianismo e a cristofobia; o esquema de alguns megabilionários ou trilionários; o elitismo transnacional; e o marxismo de mercado megatecnológico ou neomaoísmo”. Ufa!
Formando uma confraria espectral, estariam ligadas por uma invisível estrutura, de tal forma que “quando você compra a biopolítica do “fique em casa” talvez esteja ajudando o narcotráfico”.
Fantasias maquiavélicas, com menção frequente a forças ocultas e inimigos externos, sempre habitaram a retórica da extrema-direita. Cumprem papel importante na arregimentação dos “nossos” contra “os outros”. Muitas vezes serviram para justificar, por exemplo, a ação internacional de grandes potências, da supremacia ariana do nazismo à Guerra Fria entre o Ocidente e o bloco soviético.
Mas os pesadelos que assombram Araújo geraram um caso muito raro de política externa totalmente assentada numa teoria conspiratória da cena mundial. É o que argumentam os pesquisadores Feliciano de Sá Guimarães, Davi Moreira, Irma Oliveira e Silva e Anna Carolina de Mello em artigo ainda inédito sobre o lugar da ideia de “globalismo” na política externa de Bolsonaro. Intitula-se “When Conspiracy Theories Capture Foreign Policy Narratives” (Quando teorias da conspiração capturam as narrativas de política externa).”Globalismo” é a condensação daquele rol de fictícias ameaças à nação.
Para o país, o mal causado pela caça aos fantasmas é real e presente. Manifesta-se como descrédito internacional, isolamento e desmoralização de um serviço diplomático até então conhecido por sua competência.
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