Governos que se mantêm apesar das crises induzem a celebrar e elogiar a institucionalidade; já governos que fracassam e caem têm sempre a tentação das teorias conspiratórias. Mas a realidade, em última instância, é uma só: cabe a qualquer governo cuidar de suas bases de sustentação, sem elas está fadado à ruína. Seja qual for a “institucionalidade”.
E quando a ruína vem, abre-se a possibilidade de uma ofensiva do inimigo, que costuma ser implacável e brutal. E que só freia quando se estabelece uma nova correlação de forças, mais equilibrada. Ainda não chegamos a esse ponto nos Estados Unidos. A coalizão política, social e cultural organizada pelo Partido Democrata contra Donald Trump só começou seu avanço.
E com a ordem de não fazer prisioneiros.
E a ofensiva ali se espalhará por todos os fronts. A guerra cultural será particularmente cruenta, na tentativa de ajustar as contas com as raízes mesmo da formação nacional norte-americana e daí buscar uma legitimidade de tipo completamente novo. Até chegar o dia em que tudo isso vai cansar e os robespierres de hoje forem encaminhados à guilhotina.
Claro que em pleno século 21 essa é apenas uma figura de linguagem. Mas os precedentes históricos são vários.
E o que temos a ver com isso, tirando o óbvio interesse pelo espetáculo? O que os americanos vão fazer com o país deles é assunto deles, mas o problema é se tratar de uma superpotência, a maior, e com armamento capaz de destruir a civilização algumas vezes. E qual será o melhor meio para os novos detentores do governo ali buscarem mais apoio num país fraturado?
Além de fazer a revolução interna, tentar restabelecer a liderança planetária que vai escorrendo pelo ralo do fantasma da decadência econômica.
A política de Donald Trump para fazer a América grande de novo sustentava-se no resgate das raízes nacionais e, principalmente, no buy american and hire american. Os americanos comprarem produtos americanos e produzirem em casa. Joe Biden repete o buy american, mas a ambição dele é maior: remontar a hegemonia planetária.
Aí cada país, dos maiores aos menores, precisará entrar num jogo de manobras complexas, buscando no todo e em cada situação defender seus próprios interesses, e ao mesmo tempo adaptar-se aos interesses de quem tem a vantagem da força. Porque, novamente, nunca é prudente subestimar a correlação de forças.
E qual o desafio maior do Brasil na nova conjuntura? Talvez saber qual é exatamente o interesse nacional neste momento da nossa história. Dificuldade que aliás começa pela dúvida, espalhada sistematicamente na periferia do sistema global: faz sentido falar em “interesse nacional” já passadas duas décadas deste novo século?
Fazendo um certo reducionismo caricatural, o Brasil parece estar dividido entre quem preferia engatar incondicionalmente nosso vagão na locomotiva trumpista e quem agora está pronto a bater continência à nova ordem, também de modo incondicional, desde que receba de fora o apoio suficiente para fazer aqui dentro seu próprio ajuste de contas.
Não chega a ser animador.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
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