Em tempos normais, as instituições de uma república democrática atuam em silêncio. É como uma partida de futebol em que os jogadores disputam com lealdade às regras. Os espectadores mal se dão conta da arbitragem, de tão sutis que são as suas intervenções.
O impeachment, nesses contextos de normalidade, é um recurso que funciona sem ser notado —os presidentes em geral temem suas consequências e por isso evitam os atos que podem desencadeá-lo.
Donald Trump não é um governante submisso às regras do jogo. Tampouco a turba de fanáticos que o adula e segue parece conformada ao ditame não violento da disputa política. Em conjunturas excepcionais como esta, a arma extraordinária do impeachment precisa ser retirada do bastidor e levada ao proscênio, como acaba de fazer a Câmara dos Representantes.
Em 244 anos de independência, os Estados Unidos enfrentaram algumas situações de risco existencial, a começar da guerra com a ex-metrópole. Travou-se ali, quase um século depois, um dos conflitos civis mais sangrentos da história.
Apesar de não ser episódio de gravidade comparável, não se tem notícia de outro chefe do Executivo atiçando uma multidão contra a sede do Poder Legislativo, santuário da democracia representativa.
A perfídia patrocinada por Donald Trump foi agravada porque ele pretendia, à base de intimidação e mentiras, subverter a vontade da maioria dos eleitores, que lhe negou a recondução ao cargo.
A pronta resposta do Congresso, que ratificou a vitória do democrata Joe Biden tão logo os vândalos foram expulsos do Capitólio, demonstrou que as instituições não cederam um milímetro aos delírios golpistas do trumpismo.
Foi uma resposta enérgica, embora parcial. Falta ainda completar os protocolos do Estado democrático de Direito, que mandam responsabilizar os perpetradores e fazê-los pagar pela sua petulância.
Na Justiça, dezenas de pessoas começam a enfrentar o rigor do sistema penal norte-americano. Na política, cumpre punir exemplarmente Trump, o comandante da epifania extremista que acabou na morte de cinco indivíduos, incluindo um policial que defendia o patrimônio da República.
Cabe agora ao Senado condenar o delinquente prestes a deixar o poder. Para atingir a maioria necessária —67 dos 100 senadores— mais de uma dezena de republicanos precisarão se juntar aos democratas. Terão a chance de demarcar o terreno que a longeva democracia trilhará nos próximos anos.
A punição, seguida do banimento de Trump da vida pública, é a escolha capaz de desestimular, nos EUA e em outros países, novos assaltos violentos a poderes constituídos.
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